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Self-service de humor

Opinião|Aeroporto 2015

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Atualização:

Os aeroportos são literatura e cinema puro. Há drama suficiente em seus vidros, esteiras rolantes e painéis para figurar tranquilamente em qualquer obra de ficção. Só que voar, hoje em dia, não pede mais a elegância de antigamente, quando as senhoras produziam-se para os voos como se fossem à um baile de gala. E os cavalheiros embarcavam usando terno e gravata. Já faz algum tempo, o serviço de bordo nas aeronaves resume-se a barrinhas de cereal e sucos enlatados, não a lautas ceias regadas a vinho. (E, impensável para os dias politicamente atuais, o tabaco). Contudo, mesmo assim, pendendo ao prosaico, ainda paira um ar diferenciado e charmoso nesses locais. Pessoalmente tenho uma predileção grande por Congonhas onde, na infância, ia com meus pais assistir aos pousos e decolagens do terraço. Recordo-me dos clássicos turboélices Avro taxiando antes de decolarem rumo ao Santos Dumont. E de uma viagem que fizemos a Salvador em que conheci a bordo de um jato Caravelle, o velho guerreiro Chacrinha. Por falta de lazer e de dinheiro vivíamos frequentando aquele saguão. Era o nosso parque de diversões de fim de semana. Eu curtia as manobras na pista, meu pai a Livraria La Selva com seus jornais importados do mundo inteiro e mamãe adorava ver as roupas que as outras mulheres estavam usando. Certa vez, eu devia ter uns seis anos, uma voz nos alto-falantes de Congonhas disse, peremptória: "O aeroporto acaba de fechar. Informaremos mais tarde sobre a reabertura." Assustado, agarrei a barra da saia de minha mãe e perguntei: "E agora, como vamos sair daqui de dentro?" Talvez os aeroportos sejam assim, passíveis de virar narrativas ficcionais, porque sempre que se vai a algum acontece algo digno de nota. Ou é um artista que se dá de cara, um carregador de malas que conta um causo inusitado, um atraso no check-in ou até, com um pouco de sorte, a captura de traficantes pela Polícia Federal. Comigo não é diferente. A última vez que me sucedeu uma fato fora dos padrões foi no aeroporto de Recife. Fui até o WC e sentei-me numa das casinhas. Na privada a meu lado soou um celular. Deu-se o seguinte diálogo: "Oi amor. Tudo bem? Tudo. Tô no aeroporto. É. Dentro do avião. Isso. Vai decolar daqui a pouquinho. Tem umas pessoas acomodando a bagagem e sai já, já..." (Ruído de esforço) "Nada não. Fui ajudar uma senhora idosa aqui com a mala, dei um jeito nas costas. Hummmm..." (Flatulência) "É, agora foi a turbina. Parece que estão ligando os motores." (Flatulência mais alta) "Ouviu? Ligaram mesmo. Vou ter que parar de falar." (Ruído forte de descarga) "Começou a taxiar, meu bem, a aeromoça fez cara feia. Beijuuuuu!!" (Papel higiênico sendo puxado).  

Opinião por Carlos Castelo

Carlos Castelo. Cronista, compositor e frasista. É ainda sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo.

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