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Self-service de humor

Opinião|O plano B

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Atualização:

Essa semana completei 28 anos como redator de propaganda. Trabalhei em quase todas as grandes agências do país e fui galardoado - bela palavra - com um número até considerável de prêmios do setor, tanto nacionais, quanto internacionais.

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Mas o mais importante foi conhecer pessoas incríveis, talentosas e apaixonantes. Entre elas, a minha esposa e mãe da minha filha, que descobri quando criávamos o roteiro de um vídeo institucional: amor à primeira claquete.

Apesar de tudo, depois de tanto tempo numa mesma atividade profissional, a pessoa começa a se perguntar se não está na hora de sacudir as pulgas.

Você está mais maduro, ainda tem vigor para outras empreitadas e aí começa o desejo de conhecer outras facetas da vida.

Não sou exceção e, há alguns meses, venho conversando com colegas que tiveram a coragem de virar o jogo.

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Semana passada almocei com um desses intrépidos companheiros. Vamos chamá-lo de Gonzaga.

A história dele me motivou a entrevistá-lo. Tinha mais ou menos o mesmo tempo de atividade que eu; a única diferença é que sempre foi da área de Atendimento. A idade batia com a minha, somos cinquentões. E o mais importante: eu soubera por colegas que o Gonzaga, fazia pouco, largara tudo para ser crítico de gastronomia num blog próprio.

Combinamos de almoçar num argentino do Itaim, claro que por indicação dele, um expert em comida.

Na hora marcada lá estava o Gonzaga, o mesmo de sempre, só um pouco mais grisalho e com uma barriguinha proeminente.

Depois de fofocarmos um pouco sobre o mercado, deixei-o à vontade para ordenar o que julgasse melhor para nós. Gonzaga mirou o menu como um relojoeiro olharia para a engrenagem de um Patek Philippe, virou-se para o garçom e disse:

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- Traga um T-Bone dry aged mal passado, batatas fritas com bacon e depois dulce de leche. Para acompanhar, um Château Gloria. Mas só se estiver na temperatura recomendada pelo fabricante.

O garçom anotou tudo e perguntou:

- O mesmos pratos para os dois, senhor?

Foi quando apresentou-se a surpresa. Gonzaga revelou:

- Não, só pro meu amigo. Pra mim, salada de alface, um nadinha de azeite e sal, maçã cozida de sobremesa e água sem gás.

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Quando o homem saiu de quadro, emendei:

- Esse negócio de ser crítico gastronômico, hein? Nem precisa me dizer, está de dieta, né?

- Em termos - explicou o meu ex-colega de profissão - você acredita que investi uma bela grana nesse blog e, agora que começou a bombar, descubro que sou cardiopata e diabético?

- Sério? E como você faz agora? - perguntei, intrigado.

Gonzaga coçou a cabeça num gesto desanimado.

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- Não faço. Por causa dos triglicérides e da glicose elevada, não posso comer massas, carnes gordurosas, muito menos tomar bebidas alcoólicas.

Chegou o couvert: pão de queijo, focaccia, pão italiano e potinhos com queijo cremoso, foie gras e chimichurri. Gonzaga olhou para os petiscos e comentou:

- Disso aí não posso provar nem o chimichurri. Mas chucha você o pãozinho no requeijão, vai, fica bom, experimenta...

Obedeci, claro.

- Hummm, que coisa divina, rapaz! Mas e o blog, o seu plano B e as degustações que faria daqui pra frente? - quis saber.

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- Continuam, continuam! Mas os amigos é que degustam por mim.

Nessa hora despontou o maître trazendo uma bandeja com um enorme pedaço de carne no centro. Gonzaga exultou:

- Olha só, chegou teu T-Bone! Me diz como está a textura, ok? Vou anotar no meu moleskine pra postar mais tarde...

Uma hora depois saímos. Gonzaga pagou a conta e me pediu boca de siri - que ele também não pode nem tocar por causa do colesterol - sobre o modus operandi do seu blog.

O papo serviu para eu decidir permanecer em Publicidade, enquanto ela me quiser.

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Pelo menos dá pra trabalhar com o nível de glicose alto, mas sem baixar o nível e pedir aos outros pra trabalharem por você.

Opinião por Carlos Castelo

Carlos Castelo. Cronista, compositor e frasista. É ainda sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo.

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