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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Aprender com os idosos a tocar em frente

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Atualização:

"Ando devagar Porque já tive pressa E levo esse sorriso Porque já chorei demais"

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Poucos ignoram a belíssima Tocando em frente, de Almir Sater e Renato Teixeira, que mostra um pouco da sabedoria caipira. Tenho guardado, em algum lugar da memória, misturada com entulhos de lembranças posteriores, uma entrevista do Almir Sater dizendo que a música fora inspirada por seu desejo de fazer algo tão belo como uma poesia de Drummond que havia lido. Não sei se é uma falsa memória, mas não me parece impossível que seja algo assim, pois a letra, muito simples e muito verdadeira, toca em temas inerentes à condição humana, elevando-a à categoria de arte, como um poema.

"Penso que cumprir a vida Seja simplesmente Compreender a marcha E ir tocando em frente"

Tocar em frente parece ser um dos grandes segredos de uma vida boa. As alternativas - ficar parado ou olhando para trás - são fatores hoje reconhecidamente associados a depressão, e grande parte dos tratamentos para pacientes deprimidos passam justamente por tentar fazer com as pessoas deixem de remoer pensamentos e "toquem em frente". Todos tendemos a dar valor negativo às situações adversas que ocorrem na vida. Mas a capacidade de reavaliá-las, no sentido literal da palavra, "rever o valor" que damos às coisas, parece ser uma das maneiras mais eficazes de lidar com os altos e baixos da vida. Tal habilidade só se desenvolve com o tempo, quer seja por maturação do córtex frontal do cérebro - fundamental para essa função - quer seja pela prática.

"Como um velho boiadeiro Levando a boiada Eu vou tocando os dias"

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Os idosos, está comprovado, gastam menos tempo remoendo problemas do que os jovens. Tais ruminações, que levam o sujeito a adotar uma perspectiva pessimista da realidade, gastando mais energia com tais pensamentos negativos do que com atitudes positivas, estão associadas não somente a depressão como também a menores índices de satisfação com a vida. Mas parece que levamos um bom tempo para aprender que a maioria dos problemas pode ser vista - sem demora - de ângulos menos sombrios.

Percebendo essa realidade o velho caipira pode concluir:

"Cada um de nós compõe a sua história Cada ser em si Carrega o dom de ser capaz E ser feliz".

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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