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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Na beira da urna

Muitas variáveis influenciam inconscientemente o eleitor. Não saber tudo o que está por trás de nossas decisões, no entanto, não é desculpa para não decidir.

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Atualização:

Em quem você vai votar? Nós podemos achar que essa é uma escolha absolutamente racional, imparcial e baseada exclusivamente em posturas ideológicas e na análise da conjuntura política. Mas estamos enganados. Se não conhecemos todos os determinantes de nenhum dos comportamentos humanos, por que é que apenas a decisão eleitoral teria suas razões tão claras e explícitas?

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Não sabemos, por exemplo, o que leva uma pessoa para o crime. Traços de personalidade antissocial, vivência de pobreza, vínculos familiares precários e até baixa frequência cardíaca no repouso são fatores de risco comprovados - ou seja, aumentam a chance de alguém ser criminoso - mas estão longe de se enquadrarem como causas. Não temos ideia do porquê nos apaixonamos por uma pessoa e não por outra - história de vida, vivências afetivas, contexto no momento do encontro e alta frequência cardíaca (ah, esse coração, se metendo em tudo) podem nos empurrar para na direção de alguém em especial, mas não bastam para dar uma explicação definitiva da paixão. Seria muita pretensão - ou inocência - acreditar que sabemos exatamente o que nos leva a preferir esse ou aquele candidato.

Como em todo comportamento, um número desconhecido (mas certamente enorme) de variáveis se somam para resultar em nossa escolha. Ao contrário do que se pode imaginar, sozinho o alinhamento ideológico (que também é "escolhido" não sabemos totalmente porque) não explica todas as nossas decisões políticas: nos EUA, por exemplo, estudos mostram que o local de votação influencia o voto - colégios eleitorais que funcionam em igrejas têm resultados mais conservadores os que se realizam em escolas, mesmo corrigindo pela proporção de eleitores republicanos x democratas.

A aparência física dos candidatos também tem muito mais peso do que se imagina: um estudo suíço pediu que voluntários avaliassem fotos de políticos concorrentes e dissessem quais tinham "mais cara" de competentes. Mesmo sem conhecê-los os voluntários apontavam na maioria das vezes aqueles que realmente tinham sido eleitos. Ainda com relação à aparência, vale lembrar que faz 60 anos que os EUA tiveram seu último presidente calvo - depois que a política foi para a TV, nunca mais um careca foi eleito.

Mesmo os escândalos políticos dependem de outras variáveis para causar seus efeitos - os candidatos podem até ser punidos nas eleições ao figurar nas páginas policiais, mas eleitores simpatizantes a seu partido tendem a ser mais tolerantes com os malfeitos do que os demais.

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Como em tudo na vida, no entanto, mesmo que não saibamos exatamente o que está por trás de nossas decisões, de nada adianta invocar essa ignorância parcial como um salvo-conduto para a inação. O jeito é reunir as informações que temos, e torcer para que aquelas que não temos não nos atrapalhem tanto assim.

Bom voto a todos.

pixabay Foto: Estadão
Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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