PUBLICIDADE

EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Psiquiatria e sociedade

Opinião|O jogo das próteses

Uma análise feita a partir da Teoria do Jogos mostra que a denúncia contra os fabricantes de próteses de órteses pode ser mais interessante para eles do que se imagina. Eles agora têm a chance de ganhar mais dinheiro e ainda colocar a culpa no governo e na Globo.

Foto do author Daniel Martins de Barros
Atualização:

Sabe para quem pode ser muito boa a denúncia de que empresas fabricantes de próteses e órteses pagam por indicação de seus produtos, manipulando tanto médicos como licitações? Para as empresas fabricantes de próteses e órteses. Soa algo contra-intuitivo num primeiro momento, mas se raciocinarmos com ajuda da velha Teoria dos Jogos isso pode fazer sentido (já falamos dela antes, aqui e aqui).

PUBLICIDADE

Lembrando: apesar das críticas que sofre por considerar o comportamento humano estritamente racional - o que sabemos não ser - a Teoria dos Jogos é um instrumento muito interessante para analisar cenários de interação entre seres humanos, corporações, governos etc, prevendo qual a atitude mais racional que cada um pode assumir. Os teóricos propõe que existem alguns cenários básicos, que enquadram grande parte das situações reais. Algo como uma gramática das interações racionais. Um deles, o famoso dilema do prisioneiro, ajuda a entender porque essa denúnica pode ser interessantes para os denunciados.

Imaginemos, para simplificar, duas empresas concorrentes, Fabricante A e Fabricante B, que podem ou não pagar pela indicação de seus produtos. Estipulemos como taxa básica que 25% do faturado é pago como "incentivo". Assim, quem paga pela indicação ganha a concorrência (assumindo que tal pagamento seja sempre eficaz), e embolsa 75% do faturamento. Quem não paga, não ganha nada. Agora, se ambos pagarem, as chances de fazer a venda ficam em 50% para cada um. Ou seja, nesse caso a expectativa de faturamento é de 50% dos 75% (ou 37,5%, já que ambos pagam as mesmas taxas e dividem as chances de ganhar). Finalmente, se ninguém pagar nada, as chances também são de 50% para cada concorrente, mas como não houve taxa, a expectativa de ganho é de 50% dos 100% do valor faturado (ou 50%).

A figura abaixo ajuda a ilustrar o cenário de interações possíveis. Sua análise permite ver qual a estratégia racional para cada fabricante, e qual seria o melhor resultado possível:

 Foto: Estadão

Tomemos o Fabricante A. A Teoria dos Jogos ajuda a prever qual sua melhor estratégia independente do que fizer seu concorrente. Digamos que o Fabricante B pague a taxa; nessa situação o Fabricante A não ganha nada se não pagar, e ganha 37,5 se pagar. Já se o Fabricante B não pagar, o Fabricante A ganha 75 se pagar e 50 se não pagar. Fica claro que em ambos os cenários sua melhor estratégia é aderir aos famigerados "incentivos" (ganha 37,5 em vez de zero num caso, e 75 em vez de 50 em outro). O problema é que a situação é idêntica para o Fabricante B. Por conta disso, ambos acabam pagando e ganhando o segundo menor valor possível: 37,5. Esse ponto é chamado de Equilíbrio de Nash, definido como a situação na qual nenhum jogador pode melhorar sua própria situação alterando seu comportamento.

Publicidade

Se eles fossem capazes de colaborar, no entanto, ou se alguma força externa os levasse a tanto, eles poderiam dividir o mercado igualmente, ganhando 50% cada um. Esse outro equilíbrio é chamado Ótimo (ou Eficiência) de Pareto - aqui, não é possível melhorar a situação de um jogador sem prejudicar o outro. Mas justamente por isso só pode ser atingido com colaboração.

Viu como o escândalo pode ser muito útil aos fabricantes? É a chance que eles têm de migrar do Equilíbrio de Nash para a Eficiência de Pareto. Assim eles podem ganhar mais dinheiro e ainda por cima colocar a culpa no governo e na Globo. Quem quer mais?

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.