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Um manual prático para desastrados

Episódio 15: Como sobreviver ao fim do mundo?

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Por Gilberto Amendola
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Podia ser fácil como atender a campainha. Abrir uma porta e dar de cara com a verdade. Melhor, dar de cara com a verdade e aceitá-la. Infelizmente, o homem de dentes brancos e o simpático cãozinho foram expulsos da frente do casarão por uma espécie de ave/anjo/demônio que os atacou. Quando Alencar atendeu a porta, os dois não estavam mais lá. Corriam - e quase foram atropelados. Alencar voltou para a mesa e disse apenas que "deveriam ser arruaceiros". Ninguém mais pensou no assunto. Nem poderia. Tão logo o jantar em família recomeçou, Junior começou a contar sobre o seu projeto de construir um abrigo anti-nuclear, anti-zumbi, anti-gente chata no porão da casa. O rapaz estava convictode que o cometa com nome de jogador de futebol americano iria atingir o planeta e transformar nossa vida em uma espécie de Mad Max. Lúcio fingia que ouvia, mas só pensava em Akira. Joana, a cunhada, manifestou-se no jantar, disse que estava de saco cheio desse papo de fim do mundo. Um começo de briga instalou-se naquela casa. Eram como crianças. Até que Frederica quebrou o gelo perguntando do Candidato: "Isaías tem chances de ganhar essa eleição"? Lúcio tentou brincar: "Tem, se raspar o bigode". Alencar comentou que Lúcio deveria convidar o Candidato para jantar na casa deles, que aquela seria uma ótima ideia para aliviar as tensões, que a família não faria feio, que ele tinha algumas sugestões para o Candidato, que... Joana roçou as pernas dela nas pernas de Lúcio durante todo o jantar. Mas nada de pior aconteceu. Lúcio, Fabiana e Ricardinho foram embora. No rádio do carro, notícias sobre o campeonato de natação entre moradores de rua que o Governo do Estado estava promovendo em um Rio Tietê recentemente limpo e recuperado. Ricardinho disse que queria assistir uma competição; Fabiana achou de mau gosto; Lúcio não conseguia se lembrar de quando o Tietê tinha sido despoluído. Estava trabalhando muito e tinha perdido muita coisa. Ao chegar em casa, tomou duas doses de uísque e foi dormir sem fazer amor com a mulher. Quanto tempo eles não faziam amor? Sonhou com dois surdo-mudos que brigavam em um café de livraria. Entendia um pouco da linguagem dos sinais, os dois estavam discutindo sobre o anão de Game of Thrones. Acordou com o celular tocando. Atendeu correndo. Do outro lado da linha, um homem nervoso pedindo um encontro. O cara parecia preocupado. Lúcio não deu bola e disse que "aquilo deveria ser um engano". Não era. O sujeito se chamava Lino e disse que tinha notícias sobre o gato perdido de Ricardinho. A ligação caiu imediatamente. Lúcio tentou retornar. Mas o celular ficou mudo. Voltou a dormir. E não sonhou mais. No dia seguinte, foi visitar Akira. Sim, Akira estava chegando perto da verdade. O encontro foi tenso, mas pacífico. Os dois tinham uma vaga lembrança da amizade que os uniu na faculdade. Akira sempre foi o mais talentoso. Lúcio era o oportunista. Ainda no terceiro ano, o japonês com cara de TI foi fazer uma matéria sobre o universo pornô. Resultado: escreveu um impressionante material sobre falsificação de exames de AIDS. Descobriu que atores infectados atuavam sem camisinha - e tendo testes falsos como respaldo. A denúncia que começou num jornal de faculdade foi parar na grande mídia e Akira logo arrumou um emprego. Sem exagero, deve ser o melhor repórter do País. Agora, chegava perto, já juntava o lé com crê dos desvios, da caixa 2, das operações no mercado negro. - Vou pra cima - avisou Akira. -Não faça isso - disse Lúcio, honestamente. - Isso é uma ameaça? - perguntou Akira. - Não. Eu estou do seu lado - argumentou Lúcio. -Você está só do seu próprio lado, Lúcio. - Política é um treco perigoso. - Eu não tenho nada a perder. - Todos temos. - Vou pagar pra ver. Um dia depois dessa conversa, o carro de Akira seria alvejado por dois tiros. Nenhum pegou nele. Sorte. Lúcio só soube do acontecido por uma matéria de jornal assinada pelo próprio Akira - que agora anunciava publicamente que estava sendo perseguido pelo Candidato. A coisa já estava bastante fora do controle. Ao meio-dia, Lúcio tinha uma reunião com o Candidato e os conselheiros políticos do sujeito. No caminho, atropelou um cachorro.

Continua

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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