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Um manual prático para desastrados

Episódio 3: Quanto vale um spoiler de Game Of Thrones?

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Foto do author Gilberto Amendola
Por Gilberto Amendola
Atualização:

Se eu tivesse opção, escolheria um spoiler. Nunca precisei tanto de um. Eu queria saber hoje o que vai acontecer comigo no final. Cansei de surpresas. Preciso de um plano de voo. Do ponto onde me encontro, não sei se fujo, se mato, se caso ou se vou beijar o muro com meu carro velho.

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Agora, o melhor a fazer seria aproveitar a briga dos dois surdos-mudos e desaparecer.

Com um conhecimento básico de libras, entendi que os dois trocavam spoilers sobre o final da última temporada de Games Of Thrones. Um deles se irritou com algo que o outro disse sobre aquele personagem anão - acho que foi isso. Logo começaram os insultos (em libras) e os empurrões (sem libras). Uma briga no melhor estilo Bud Spencer. O segurança da livraria precisou intervir. O namorado da Cecília Malan cover filmou a confusão e, tenho convicção, o "evento" já está disponível no YouTube.

Ouvi gente colocando a culpa do desentendimento entre "surdos-mudos-nerds" no cometa LeBron. Ultimamente, tudo é culpa dele. Broxou? Culpa do LeBron. Perdeu o Pênalti? Culpa do LeBron. Tem contas secretas na Suíça? Culpa do LeBron.

A senhora sentada na minha frente tossiu e disse: "Se ele não queria ouvir, era só fechar os olhos".

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Guardei a frase.

Bom, depois que os surdos-mudos foram convidados a se retirar, me vi sentado em uma mesinha de pernas bambas, de frente para uma senhora exageradamente maquiada.

- Me desculpe o inconveniente... - disse a mulher.

Voz de velha? Ela não tem voz de velha. Não tinha como eu saber que era uma... velha. Algum amigo deve ter me sacaneado, colocado meu telefone num desses classificados de "procura-se mulher madura".

- Eu estou aqui por causa da minha filha - revelou a mulher.

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O problema então era outro. Ok, calma. Desde o meu último relacionamento sério, nos últimos seis, sete meses, sai com algumas garotas. Não fui especialmente legal com nenhuma delas. Não dormi abraçadinho (tenho problemas de circulação sanguínea), não liguei no dia seguinte, não deixei que nenhuma entrasse de fato na minha vida. Mas, daí, a apelar para a mãe...

Nisso, reparo, a senhora coloca a mão dentro da bolsa e parece hesitar por um segundo.

Entendi, o spoiler é esse! Eu transei com a filha dela, magoei a garota, e agora a mãe dela veio se vingar. Dentro dessa bolsa, no fundo dela, deve ter um revólver. Ela vai sacá-lo e fazer dois ou três disparos. Na distância em que estamos, mesmo que ela não tenha prática em assassinatos e afins, acho difícil que erre. Pelo menos um tiro, unzinho, vai me acertar. Eu aposto que vai ser no peito. Ou um de raspão na cabeça.

Vou morrer ou ficar inválido.

O que eu queria saber era o motivo. O que de tão grave eu fiz para essa menina? Se eu soubesse, juro, teria ligado no dia seguinte.

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Causa da morte: sexo casual.

Causa da morte 2: visualizou, mas não respondeu no Whatsapp.

Será que fui tão escroto assim?

Pronto, minha senhora: Atire!

Fechei os olhos.

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Quem sabe eu não volto e trago comigo o maior dos spoilers: existe vida depois da morte? Existe Deus? Céu? Inferno? Pizza Delivery no além?

"Se ele não queria ouvir, era só fechar os olhos".

Vai ter tumulto. Não é comum um assassinato na hora do almoço. Isso vai virar notícia, certeza. O João Gordão vai dar um jeito de tirar proveito da minha desgraça. Vai espalhar que eu e o Candidato éramos amigos inseparáveis, que eu morri defendendo os princípios da candidatura dele, que, provavelmente, eu teria uma participação chave em sua futura administração na Prefeitura. Talvez ele produza um vídeo contando minha história.

O Candidato iria no meu velório, abraçaria uns parentes, minha ex e, quem sabe, até a filha da mulher que vai me matar agora. Antes de me enterrarem, o filho da mãe já teria garantido uns 50 votos. O Candidato nunca me deu um bom dia sequer.

Pena não ter tido tempo de reencontrar meu cachorro. Saudade do Sazerac...

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- Você está passando bem, Lúcio? - perguntou a mulher.

Abri os olhos e ainda estava vivo.

O revólver imaginado não apareceu. O revólver presumido não saiu daquela bolsa. O que surgiu nas mãos tremulas daquela mulher foi uma foto, um retrato amarelado, daqueles que só a mãe da gente pode guardar ou enterrar naquelas sisudas caixas velhas de sapato.

Na foto, eu tinha uns 7 ou 8 anos, estava emburrado e fantasiado de caipira. No chapéu, estava escrito Nhó Zé. Via-se que eu, claramente, não queria estar lá.

Ao meu lado, de braços dados, uma garotinha magricela e sorridente (sorriso de aparelho). Ela usava um daqueles vestidos clássicos de Festa Junina, um que era vermelho e cheio de bolinhas brancas. No rosto dela, pintas pretas criadas, posso apostar, pela mulher que estava na minha frente. Além de umas tantas espinhas colocadas lá pela crueldade do destino - e da genética.

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- Eu sou a mãe da Fabiana... Lembra dela?

Não. Pensei. Mas não disse. E fechei os olhos para não ouvir resto.

Continua.

Trilha Sonora do Episódio 3:

Acompanhe o "Desculpe, Foi Engano" pelo Facebook: www.facebook.com/desculpefoiengano/

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Leia aqui o episódio 1

Leia aqui o episódio 2

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