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Impressões sobre a vida e seus arredores

O que o amor pode

A soberania do rei dos reis

Por Raul Drewnick
Atualização:
O amor pode surgir andando ao nosso lado numa tarde em que a calçada, lambida pela chuva, fará soar como música nossos passos e os dele. Foto: Estadão

O amor pode ir caminhando conosco, sem dizer uma palavra. Nós não lhe diremos nada, também. E nos entenderemos como só conseguem entender-se o ser amante e o ser amado.

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O amor pode chegar conosco a uma esquina em que, como se tivéssemos entrado na página de um romance da década de 1950, um arco-íris se abrirá esplendidamente sobre o par romântico, para mostrar que, se alguma vez duvidaram do que sentiam, será hora de se beijarem sob esse cenário que o autor do livro descreve como mágico e feérico.

O amor pode fazer essa caminhada conosco, numa tarde de chuva. Mas pode também ficar nos olhando de longe, enquanto, molhadíssimos, atravessamos a avenida e corremos para a frente da padaria em que ele prometeu nos encontrar.

Estamos no horário marcado. Do lado oposto da rua, num lugar onde não podemos vê-lo, ele nos observa, satisfeito. Embora apontualidade não seja seu forte, ele sempre instigou a nossa.

Não é a primeira vez que nos encontramos com ele aqui. Hoje seu atraso, normalmente de dez a quinze minutos, já vai para meia hora. Mesmo sabendo que ele não gosta disso, ligamos para o seu celular. Ele não atende.

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Pensar que ele pode ter sofrido um acidente nos arrepia. Não, nada pode ter acontecido a ele. Nada de ruim acontece ao amor, nunca. Ele está aprontando uma pegadinha, só pode. Seu espírito é brincalhão como o de um moleque.

Ligamos de novo. Nada. O atraso já passa de uma hora e dez minutos. Houve um mal-entendido, um grande mal-entendido, com certeza, e a culpa é nossa. Resta-nos ir para casa e aguardar notícias. Mas resolvemos esperar mais cinco minutos, depois mais cinco e mais cinco.

Quando começamos a ir embora, o amor só lamenta uma coisa: não poder distinguir, de onde está, se o que desliza pelo nosso rosto são lágrimas ou chuva.

Nós vamos nos afastando. É quase indecente ter uma ideia assim, numa hora de tanta aflição, mas agora só queremos chegar em casa e tomar um banho bem gostoso. Pegamos o metrô. A qualquer instante o amor ligará, é claro.

Depois do banho, ligamos. Nada, outra vez. A suspeita começa a crescer em nós. Será que...? Não, o amor não pode ser cruel. Por que ele faria isso conosco? Nós lhe demos por acaso algum motivo?

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O amor pensa exatamente nisso. Sente pena de nós. Sempre fomos tão dóceis com ele, tão dóceis. Talvez esteja aí o problema. Ele não gosta de presas fáceis.

O amor pode tudo. Pode telefonar, pode não telefonar. O amor não telefonará.

 

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