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Impressões sobre a vida e seus arredores

"Quero ser escritor"

William tem dezesseis anos e hoje decidiu ser Shakespeare.

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Por Raul Drewnick
Atualização:

Hoje, o rapaz resolveu: será escritor. Está com dezesseis anos, idade das decisões heroicas e desajuizadas. Ele é meio estranho, convém ir dizendo logo. Ninguém no colégio lê mais que ele e, na família, essa compulsão pelos livros provoca sempre a pergunta: de onde saiu esse aí?

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Seu nome é William, e ele vê nisso um recado do destino. E um recado mais do que claro: Shakespeare, o maior escritor de todos os tempos, não era William?

O pai e a mãe, quando ele comunicou sua decisão, naturalmente disseram: ora, ele não é capaz de ver que isso é só uma coincidência? E aproveitaram para se olhar, um ao outro, com ar de cobrança: qual deles havia escolhido aquele nome? Depois de acusações mútuas, voltaram dezesseis anos no tempo e lembraram-se: tinha sido palpite da tia Noêmia, aquela esquisitona. O amor aos livros deveria ter também uma culpada: ela, certamente.

A conversa em que William anunciou essa resolução de ser um novo Shakespeare, ou morrer tentando, teve lances engraçados. Um deles foi o momento em que a mãe, inconformada, tentou novamente chamar o filho ao caminho da sensatez:

"Que graça você vê nisso, nessa história de escrever? Se você gosta, mesmo, você não pode escrever mas ser alguma outra coisa?"

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William se espantou:

"Como é que é, mãe? Vamos ver se eu entendi. Você está querendo que eu seja escritor sem ser escritor?"

"Mais ou menos isso. O Paulo Coelho não é mago, mágico, sei lá? E parece que está se dando muito bem, não é? Ficou milionário. E aquele outro, bigodudo, que fez o livro dos marimbondos?"

"Ah, o José Sarney, aquele que foi presidente?"

"Esse mesmo. Entendeu o que eu quero dizer? Ele escrevia, mas era presidente..."

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"Mãe, só você para vir com uma dessas. Olhe..."

"Eu só estou pedindo para você pensar melhor nisso."

"Mãe, você está preocupada com o quê?"

"E você ainda pergunta? O seu pai, desde quando tinha vinte anos, cismou que ia ser galã da Globo. E..."

William não fez nenhum comentário, por respeito filial ao homem já cinquentão que sorriu simpaticamente e ergueu o polegar:

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"Ainda não desisti."

A mãe voltou ao ataque:

"Ah, filho, você sabe o que eu penso dos escritores. Esse pessoal todo é meio maluco. Como aquele russo que você vive elogiando."

William riu:

"O Dostoiévski?"

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"Esse mesmo."

"O que você acha maluco nele?"

"Você sabe muito bem. Aquele crime horroroso do estudante naquele livro."

"Mãe, você acabou de dizer. Foi o estudante, o Raskolnikov, não o Dostoiévski."

"Pronto. Viu? Você já está defendendo seu colega."

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"Colega?", repetiu William, e sentiu repentinamente um orgulho que já era como um começo da glória que haverá de conquistar.

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