Qualquer CPIzinha com um mínimo de boas intenções descobriria facilmente que a Morte e o Amor são sócios antigos.
A Morte talvez não seja o fim. Esse é que é o problema.
Morrer deveria ser doce e tão conveniente que quiséssemos morrer muito mais frequentemente.
Quem sabe na Morte, quando vier nos chamar, haja algo assim como uma mistura do sotaque de Gwineth Paltrow e Scarlett Johansson, ambas um pouco tocadinhas pelo álcool e pela expectativa de sexo.
Talvez a Morte tenha seguido a moda e use um delicado ornato no umbigo.
Sou um degenerado irrecuperável. Hoje fui escrever Morte, e escrevi Amor.
Morrer na guerra é coragem, morrer bebê é tolice, morrer aos cem é vantagem, morrer de amor é sandice.
Morrer é uma coisa tão intransitiva, tão vaga, tão indefinida. Viver é fazer isto, isso, aquilo. Morrer é fazer o quê?
No ato de morrer deveria haver sempre uma delicadeza isenta de espasmos, de babas, de gorgolejos. Morrer deveria ser uma doce omissão.
Morrer de amor é o modo mais juvenil, tolo e venturoso de morrer.
Pode ser que a Morte, para nos ganhar, nos faça aqueles agradinhos indizíveis que esperamos inutilmente dos vivos.
Como são exagerados esses poetas que beberam o leite do romantismo. Alguém lhes nega um beijinho, e eles já falam em morrer.
Há um momento, quando a Morte começa a dar sinais para que nos preparemos, em que se deve declarar tudo, sem subterfúgios. O Amor, por exemplo, deve ser dito como se suas quatro letras fossem puro fogo, como na verdade são.
Como é tola a Morte. Quando vem buscar o seu butim, o Amor já recolheu o que havia de melhor e vendeu aos mercadores cujos camelos embosteiam a praça.
Morrer deveria ser como uma travessura de menino, alguma coisa assim como, estando já no carro funerário, passar diante da Vida e dar-lhe uma bela banana.
Agonizar com certo nome entalado na garganta, e morrer no instante exato de conseguir pronunciá-lo como se pronunciou pela primeira vez, no primeiro idioma, a palavra rosa.
Já que é preciso morrer, caprichemos. Não há uma segunda chance.
Morrer é um desses verbos cujo sujeito gostaria de estar sempre oculto.
Talvez descubramos, quando ela chegar, que a Morte é aquela loira que num dia de 1996 nos piscou na Rua Santa Ifigênia e não quisemos ou não pudemos seguir. Ah, quanto tempo nós teríamos poupado. E talvez tivéssemos morrido mais gloriosamente que hoje.