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Impressões sobre a vida e seus arredores

Sobre a Morte

Falemos dela, ainda que baixinho

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Por Raul Drewnick
Atualização:

pixabay Foto: Estadão

Qualquer CPIzinha com um mínimo de boas intenções descobriria facilmente que a Morte e o Amor são sócios antigos.

A Morte talvez não seja o fim. Esse é que é o problema.

Morrer deveria ser doce e tão conveniente que quiséssemos morrer muito mais frequentemente.

Quem sabe na Morte, quando vier nos chamar, haja algo assim como uma mistura do sotaque de Gwineth Paltrow e Scarlett Johansson, ambas um pouco tocadinhas pelo álcool e pela expectativa de sexo.

Talvez a Morte tenha seguido a moda e use um delicado ornato no umbigo.

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Sou um degenerado irrecuperável. Hoje fui escrever Morte, e escrevi Amor.

Morrer na guerra é coragem, morrer bebê é tolice, morrer aos cem é vantagem, morrer de amor é sandice.

Morrer é uma coisa tão intransitiva, tão vaga, tão indefinida. Viver é fazer isto, isso, aquilo. Morrer é fazer o quê?

No ato de morrer deveria haver sempre uma delicadeza isenta de espasmos, de babas, de gorgolejos. Morrer deveria ser uma doce omissão.

Morrer de amor é o modo mais juvenil, tolo e venturoso de morrer.

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Pode ser que a Morte, para nos ganhar, nos faça aqueles agradinhos indizíveis que esperamos inutilmente dos vivos.

Como são exagerados esses poetas que beberam o leite do romantismo. Alguém lhes nega um beijinho, e eles já falam em morrer.

Há um momento, quando a Morte começa a dar sinais para que nos preparemos, em que se deve declarar tudo, sem subterfúgios. O Amor, por exemplo, deve ser dito como se suas quatro letras fossem puro fogo, como na verdade são.

Como é tola a Morte. Quando vem buscar o seu butim, o Amor já recolheu o que havia de melhor e vendeu aos mercadores cujos camelos embosteiam a praça.

Morrer deveria ser como uma travessura de menino, alguma coisa assim como, estando já no carro funerário, passar diante da Vida e dar-lhe uma bela banana.

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Agonizar com certo nome entalado na garganta, e morrer no instante exato de conseguir pronunciá-lo como se pronunciou pela primeira vez, no primeiro idioma, a palavra rosa.

Já que é preciso morrer, caprichemos. Não há uma segunda chance.

Morrer é um desses verbos cujo sujeito gostaria de estar sempre oculto.

Talvez descubramos, quando ela chegar, que a Morte é aquela loira que num dia de 1996 nos piscou na Rua Santa Ifigênia e não quisemos ou não pudemos seguir. Ah, quanto tempo nós teríamos poupado. E talvez tivéssemos morrido mais gloriosamente que hoje.

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