Foto do(a) blog

Comportamento Adolescente e Educação

A vida passa pela janela

PUBLICIDADE

Foto do author Carolina  Delboni
Por Carolina Delboni
Atualização:

Pela janela do carro, pelo portão do condomínio, pela grade do clube, pelo muro da escola, pelo corredor do shopping... A vida passa feito filminho, e a criança é espectadora. Ela assiste. Sempre assistida por alguém. Cada vez mais é privada de interação em nome da segurança. Mas priva-se da vida, dessa forma. E cria-se a cultura do medo. Porque tudo pode ser perigoso. E como fazemos pra educar pra vida? Quando deixar seu filho ir sozinho na padaria ou na banca de jornal?

 

PUBLICIDADE

Certamente essa geração de crianças não vai andar de ônibus com a mesma idade em que a minha geração andou. Com 12 anos eu pegava ônibus para ir ao clube e passava a tarde toda por lá. Depois voltava pra casa sozinha também. Será que hoje, com 12 anos, temos coragem de pôr um filho no ônibus e dizer "vai"? É provável que a maioria diga que não, e não tiro razões pra isso. Mas quando fechamos a criança numa redoma de proteção (ou falsa proteção), tiramos dela o direito de viver, de se relacionar com a vida, de aprender. Porque são coisas inerentes à vida. Que precisam ser ensinadas e vividas. Sem medo, mas com coragem e confiança. Coragem de saber que seu filho está pronto e pode ir. De que ele cresceu e conquistou o poder de ir um pouco mais longe agora. Para cada idade uma conquista. Uma janela que deve ser aberta. E confiança na dona vida, de que tudo vai dar certo. O que tiver que ser, será.

 

Porque muitos pais proíbem pelo medo do que pode acontecer. Um assalto, um sequestro relâmpago, ou sei lá qual maldade dessa mesma dona vida. Mas o escritor moçambicano Mia Couto diz, feito poesia, que "dá azar um homem deixar de ver a própria sombra". Eu diria que Mia Couto está nos dizendo algo como "dá azar deixar de ver os próprios medos", ou seja, é preciso encarar. E esse é o preparar um filho pra vida, pro mundo, como se diz. A vida muda na proporção da nossa coragem. Porque criança não fica no banco assistindo, feito espectadora. De um gesto pequeno, como o de deixar a criança brincar na rua, ao gesto maior, do pegar ônibus ou andar sozinha, criança precisa se relacionar. Precisa de interação. Seja com a sociedade, num campo menor de relacionamento, ou com a cidade, no campo maior. Tudo pequeno e aos poucos. Para existir aprendizado e, daí sim, poder ter conquista.

 

É difícil? Sim! É difícil pacas! O cineasta e poeta chileno Alejandro Jodorowsky tem uma frase linda e muito simbólica da infância hoje que diz o seguinte: "Pássaros criados em gaiolas acreditam que voar é uma doença". E aí, vamos mantê-las presas até quando?

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.