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Novidades e reflexões sobre psicologia, psicanálise e neurociência

O culpado é o mordomo

Quem nunca sentiu o peso da angústia por ter feito algo que julga errado? Embora dolorosa e extremamente prejudicial quando excessiva, a culpa tem papel psíquico importante; indica a presença de um debate interior que nos ajuda a manter os limites nas relações com os outros

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Por glaufleal
Atualização:

No vocabulário de alguns idiomas antigos, como o tibetano, não existe a palavra equivalente a "culpa". Mais que isso: não há essa ideia, na forma como a conhecemos, embora estejam presentes as noções de reconhecimento do erro, arrependimento e, principalmente, de responsabilidade - que inclui intenção de não incorrer no mesmo deslize. O benefício disso? Possivelmente a perpetuação do sofrimento psicológico por algo que não pode ser mudado e ao mesmo tempo a abertura de espaço interno para a concentração naquilo que pode ser transformado. Na prática, porém, não é tão fácil lidar com esse sentimento devastador que a maioria das pessoas conhece bem e funciona, muitas vezes como uma armadilha. Para falar sobre dinâmicas psíquicas, alguns colegas, docentes de cursos de psicologia, costumam dizer que "a culpa é o combustível da repetição". Ou seja: é tão dolorosa que, após senti-la por algum tempo, é como se já estivéssemos devidamente punidos e, de certa forma, liberados do deslize que tanto nos atormenta, em alguns casos até para voltar a cometê-lo. Embora essa seja uma forma um tanto simplista para explicar certas repetições, deixa claro que a culpa se distancia do arrependimento e da responsabilização que constituem formas mais amadurecidas de lidar com os próprios erros. Obviamente não se trata de negá-los ou subestimá-los, pelo contrário: é importante reconhecer que falhamos, sem perder a perspectiva de que naquele exato momento fizemos a única coisa que era possível - até porque se tivéssemos outra possibilidade, concreta e principalmente subjetiva, certamente teríamos seguido opção melhor. E, se a escolha não foi nossa, nos cabe aceitar o que temos (capacidades, condições etc.) e usar esse potencial da forma mais benéfica e produtiva possível. Afinal, simplesmente fugir da culpa é muito difícil e talvez nem seja o melhor caminho.Ao assumir a responsabilidade pelo que realmente queremos, nos afastamos do lugar ingrato de vítima e deixamos de buscar culpados. Ao fazer escolhas de maneira mais autônoma, talvez, em algum momento, surja a pergunta: "E se eu me comprometer e errar de novo?". Ouvi certa vez um mestre que dizia: "Erre, e volte a se comprometer. De novo, de novo e de novo, pois a cada novo compromisso a decisão se renova e se fortalece." E a culpa? Fica com o mordomo dos romances policiais...

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