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Quando dizer às crianças que Papai Noel não existe?

A crença no bom velhinho, incentivada pelos adultos com as melhores intenções, se desfaz por volta dos 6 anos. Uma pesquisa feita na Universidade de Estrasburgo, na França, mostra que esse momento pode ser mais delicado do que os adultos costumam supor, fazendo com que boa parte das crianças se sinta traída por aqueles em que mais confia. Respeitar a curiosidade dos pequenos, sem fugir de seus questionamentos, é importante para pais e filhos ? e ajuda a garantir a perpetuação de boas lembranças

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Por glaufleal
Atualização:

- É mesmo o Papai Noel quem traz os presentes no Natal? 

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Quem já teve de enfrentar essa pergunta (ou alguma variação dela), acompanhada de uma expressão inquisidora cravada nos olhinhos de uma criança, sabe que a resposta pode ser uma armadilha, já que inevitavelmente estará associada a uma mentira: contada antes (e que pode vir à tona agora) ou ainda sustentada sabe-se lá até quando (considerando que a investigação sobre a veracidade do bom velhinho já começou, é provável que a farsa não dure até o próximo Natal). Ou seja: trata-se de um momento delicado, que coloca num impasse a relação de confiança entre o adulto e a criança.

Embora pareça para muita gente que abandonar a crença em Papai Noel não oferece desdobramentos significativos. "Às vezes, descobrir a verdade pode ser muito desagradável e até mesmo violento para a criança", afirma o sociólogo Gérald Bronner, professor do Departamento de Ciências Sociais, Práticas Sociais e Desenvolvimento da Universidade de Estrasburgo, na França. O pesquisador desenvolveu um estudo com 142 crianças, com o intuito de entender melhor como elas vivem a experiência da descoberta de que Papai Noel não existe - pelo menos não da maneira como lhes foi contado que existia. Durante as entrevistas coordenadas por Bronner, quase todos os pequenos voluntários disseram que a razão principal que os levou a aceitar o mito lhes foi proposto justamente pelos pais - e as crianças tende a acreditar sem grandes questionamentos em tudo o que dizem os adultos com quem têm laços afetivos fortes. Faz sentido: boa parte das coisas que sabemos foi contada por aqueles em quem depositamos a nossa confiança."Sabemos que deixar para trás ícones da fantasia infantil é um passo necessário do desenvolvimento, mas a descoberta da verdade pode ser dolorosa, principalmente quando as crianças se sentem enganadas por aqueles em quem mais confiam e, em alguns casos, mais tarde essa decepção pode influir na constituição das bases de relacionamento consigo mesmo e com o outro", diz Bronner. Ele notou que o abandono da crença em Papai Noel provocou em quase metade das crianças ouvidas algum tipo de crise, ainda que passageira. Uma delas comentou: "Foi muito duro e estranho. Se Papai Noel não existia, então tudo que era mágico também era falso. Deixei de acreditar em tudo de repente, até em fadas e duendes." De fato. Desaparece o monstro no armário, mas também as fadas capazes de realizar desejos. Pois bem, para evitar problemas pode ser útil levar em conta um tanto de bom senso e algumas constatações de Bronner. Entre as crianças que afirmam terem ficado decepcionadas, muitas ressaltam que se consolaram por saber que continuariam a receber presentes. Essa garantia parece servir como compensação para a agitação cognitiva - é útil lembrar-se dela quando a criança admite o fim da própria crença. Além disso, deixando de acreditar em Papai Noel os pequenos têm a impressão de entrar no "círculo das pessoas grandes", em uma espécie de rito de passagem que pode ocorrer de maneira indolor se os pequenos tiverem a impressão de tirar uma vantagem da fantasia. Por exemplo, a passagem será sentida positivamente se a criança tiver irmãos, primos ou amiguinhos menores e aceitará de bom grado transformar-se em um dos atores da pequena comédia anual. Participando do segredo, ela tem a impressão de compartilhar algo do mundo dos adultos: obtém uma missão de confiança. Se a criança é filha única, com certeza apreciará a ideia de fazer uma brincadeira com os adultos, vestindo-se ela própria de Papai Noel na noite de Natal. Isso lhe permitirá rir com os outros - e não se sentir traída. Em geral, quando a criança começa a ter dúvidas é melhor parar de mentir. Não se trata de lhe dizer brutalmente a verdade, porque o fim inesperado da crença poderia ser mal vivenciado, mas de lhe fazer as mesmas perguntas. Se a criança perguntar por que o Papai Noel não faz isto ou aquilo, basta dizer: "E você? O que você acha?". Mas, se ela indagar diretamente se o velhinho existe, é possível dizer algo mais ou menos como: "É uma pergunta que você deve responder sozinha, talvez você já saiba a resposta". Se a criança estiver pronta para juntar suas constatações próprias, como os indícios que se conectam no fim de um livro policial para que o enigma seja solucionado, ela apresentará essa conclusão. E, nesse caso, merece receber os cumprimentos por sua perspicácia. Se ainda não for a hora de abrir mão da fantasia cabe aos adultos respeitar - e aguardar. Porém, uma última questão permanece suspensa: por que induzir as crianças a acreditar que Papai Noel existe? Não é apenas uma maneira de fazer com que tenham uma decepção no futuro? Todo pai ou mãe deve tomar a própria decisão, mas - sem pretender ter a resposta certa e definitiva - vale lembrar que pode ser muito divertido acreditar na existência de um mundo mágico. Além disso, as fronteiras do país das maravilhas se fecham cedo, por volta dos 6 ou 7 anos. Mas ele pode deixar boas recordações.

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