arte: loro verz
»A cada crime de intolerância, ouço bradarem sobre a importância de tolerar.
Tolerar, palavra de ordem do século 21. Vejo o noticiário. Não fossem gays seriam católicos seriam muçulmanos seriam africanos seriam pobres seriam velhos seriam o que fossem. Talvez, quem sabe, fossem tudo isso: velhos gays negros católicos massacrados sem aviso, mas com motivo. O que são não pode ser tolerado.
Vejo o noticiário. Uma jovem é estuprada, depois estuprada, depois estuprada. Quando fala, acossada - um vídeo, depois um vazamento, depois uma corrente de imponderabilidades até que se acordasse um agente da lei -, é novamente estuprada.
Em ambos os casos, à boca pequena comentam: "mas também!". Mas também, frequentava baile funk. Mas também, frequentava baile gay. Mas também, usava shortinho. Mas também, dava pinta. Criamos justificativas as mais absurdas, não para a violência das ruas, mas para a violência dos discursos. A nossa violência.
Criamos categorias de vítima. A vítima nota 10, jovem, branca, rica, sem antecedentes criminais, tirava boa nota na faculdade, ralava, frequentava a igreja todos os domingos. Ia casar. A vítima nota 10 é sempre vítima, nela confiamos cegamente - e não haveria de ser diferente.
O problema é quando a vítima emplaca um 6, no máximo. E quando a vítima reprova. As vítimas nota zero, como gays em festa e meninas pobres dançando funk, não merecem muitas lágrimas. Nessas vítimas, por mais que lamentemos os incidentes vividos, não confiamos muito. Parece que mentem.
Falamos tanto em tolerância e nos tornamos tão intolerantes, no século 21, diante da diversidade de tudo, que nos provoca constantemente.
Mas eu, pessoalmente, já estou cansado da palavra tolerância. Não quero que ninguém tolere minhas esquisitices, minhas origens, minha constituição. Prefiro mais a palavra liberdade - aquela que ninguém explica, ninguém concede: a gente conquista.
A tolerância, presunçosa, dispenso. Sonho com o dia em que ninguém diga eu tolero fulanos. Mas apenas: somos livres.«
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