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Crônicas do cotidiano

Tô na bed

Por Ricardo Chapola
Atualização:

Ilustração: Felipe Blanco

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Esta crônica não ia começar bem assim, mas o torcicolo, o avião, o Dorflex a sopraram pra longe do que ela seria no princípio de tudo. Falaria de amor, se não fosse o ódio. De cama, se não fossem poltronas. Micropoltronas, micromesas, microbanheiros.

(Microespaços me dão macrocãibras)

É por isso que faço dessa crônica uma espreguiçadeira bem grande e confortável. Uma cama, vai, onde dê pra fazer uma espécie de alongamento literário. A cama (lembra?), sobre a qual outrora iria escrever. Difamar, pra ser preciso.

Odiava a minha cama de solteiro até minutos antes de embarcar no avião. Rangia além da conta, mas nem isso, nem nada me convencia de que era possível fazer um adulto dormir em berço esplêndido. E mesmo que a física desse uma mão, minha singela cama de solteiro marrom, de esplêndida, só tinha o preço - uma baita liquidação da Marabrás.

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As dores nas costas já existiam na época, estavam no nível da satisfação de ter gasto mixaria num belo móvel que, diziam, ser de madeira de jacarandá. Nada disso me prendia à cama. Não me desfazia dela porque sempre achei assunto muito sério. Minha concepção era de que cama, meus caros, funcionava como o verdadeiro status de relacionamento de Facebook: se é de solteiro, é porque sou solteiro. De casal, porque sou casado. Enrolado, namorando ou pegando geral? Pra todas: C-A-M-A-D-E-S-O-L-T-E-I- R-O. Paguei caro pelo meu puritanismo barnabé, a começar pelos torcicolos, depois pelas reprimendas de amigos, todos me questionando sobre a loucura de preferir jogar numa Vila Belmiro enquanto existiam Maracanãs pelo mundo.

King Size, Ricardo. Já ouviu?

A pergunta era recorrente. E claro que já tinha ouvido, não era idiota. Quer dizer, não sei, talvez um pouco, por mesmo assim, zoado pela turma, continuar achando triste ver uma alma solteira perder-se e se apequenar na desértica vastidão de uma cama de casal, onde espaço é pura vertigem.

Repenso tudo isso agora, sob efeito do Dorflex. Peço desculpas, leitor, leitora, pela brusca manobra dessa embarcação. Talvez a chorumela ficasse mais clara se fosse puxada pelo romantismo, mesmo que inventado. Mas preferi ser honesto, foi mais rápido. Agora, se me dão licença, vou ali esticar o esqueleto na minha king size.

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