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Retratos e relatos do cotidiano

A palavra inspira, mas o exemplo arrasta

O maravilhoso mundo da hipocrisia na educação das crianças

Por Ruth Manus
Atualização:

Não adianta.

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Não adianta dizer para o filho esperar a vez dele na fila do brinquedo, quando você ultrapassou aquele corsinha prata pela direita para chegar ao parque de diversões.

Não adianta dizer para não falar palavrão, se seu discurso, ainda que sem uma única palavra condenável, for um discurso in-tei-ri-nho de ódio.

Não adianta dizer para seu filho não brigar com o irmãozinho, se você vive aos berros com o pai dele, aquele imprestável.

Não adianta dizer "Dá um beijinho na mamãe, na Tia Odete, no vovô", se você nunca o ensinou a dar um beijinho na babá que cuida dele ou na empregada que faz a comidinha boa de todo dia.

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Não adianta dizer que frutas e legumes são importantes para a saúde, enquanto sua lasanha congelada gira pela décima sétima vez dentro do microondas.

Não adianta dizer aos pequenos que o importante é competir e que devemos saber perder enquanto esmurramos o sofá assistindo o jogo no domingo à tarde.

Não adianta dizer "AGRADECE SEU TIO" se a sua voz ecoa uma ordem tão categórica e tão isenta de afeto.

Não adianta dizer para ele respeitar as regras da casa, se você não respeita aquela regrinha tão básica de parar na faixa de pedestres.

Não adianta dizer para respeitar os coleguinhas e na sequência comentar com outro adulto sobre o Gonçalves, aquela anta do financeiro.

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Não adianta dizer que os sapatos não podem ficar no meio da sala, quando seu carro ficou rapidinho ali na vaga de deficiente.

Não adianta dizer que é legal ser diferente, quando você usa aquela bolsa igual a de tantas outras moças do trabalho, só porque todo mundo sabe quanto custa.

Não adianta dizer que "isso não é jeito de falar com a sua avó", quando te parece que o posto de filho te dá o direito de falar duramente com esta mesmíssima avó.

Não adianta berrar a frase "VOCÊ NÃO GRITE COMIGO"

Não adianta falar para estudar, para ler os livros da escola, enquanto nem sobe os olhos do seu celular ao invés de ler uma história junto com ele.

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Não adianta dizer para ele devolver o brinquedo do amigo, quando você não paga o 13º da empregada.

Não adianta, amigo. Naquelas aulas da academia, se o professor gritar por cima da música "passinho para a direita" e for para esquerda, você vai acertar o movimento? Não vai.

Sei lá. Quando ouço tanta gente dizer por aí que as crianças estão difíceis de lidar, fico pensando que, na verdade, talvez elas só estejam confusas. Porque difícil mesmo é a missão delas. Difícil mesmo é conseguir lidar com toda essa nossa incoerência.

 

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