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Opinião|Mulheres divulgam listas com os índices de cesáreas de obstetras que atendem parto pelos planos de saúde

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Atualização:

O tratamento para engravidar feito pela publicitária Raquel, 34, foi o motivo alegado para a cesárea. Foto: Kika Damasceno

 

"Se na época em que eu estava grávida tivesse uma lista com os médicos que realmente atendem parto normal, eu não teria passado pelo que passei", conta a publicitária Raquel Prado, 34 anos, mãe de Fernando, 3 anos. Ela ouviu durante toda a gravidez "se estiver tudo bem seu parto será normal, claro". Mas com a aproximação do carnaval e com sua gestação chegando ao fim, o discurso mudou. E o tratamento que ela tinha feito para engravidar virou motivo para uma cesariana agendada. "O médico me perguntou: você vai arriscar depois de tudo o que fez para engravidar?", conta. O parto foi marcado para a véspera do Carnaval, quando Raquel completou 38 semanas de gestação. Fernando nasceu pequenininho, com apenas 2 kgs e 300 gramas. "Fiquei em pânico quando vi o tamanho do meu filho", conta.

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Por ter passado por isso, Raquel, assim como muitas outras mulheres, uniram-se para levantar as estatísticas de partos normais e cesarianas dos médicos que atendem pelo convênio. Juntas, elas organizam esses números e os publicam em blogs e listas na internet. Essas informações foram liberadas para consulta pela Resolução 368 da ANS, Agência Nacional de Saúde Suplementar, em vigor desde o dia 6 de julho.

A estudante de obstetrícia Thielly, mãe de 3 filhos, é uma das organizadoras da lista com os índices de obstetras de São Paulo. Imagem: Bia Fotografia  Foto: Estadão

"É um instrumento importantíssimo de transparência, para que as mulheres possam ter parâmetros na hora de procurar uma equipe para seu parto", afirma a enfermeira obstetra Maíra Takemoto, 34, que faz parte de um grupo de 30 mulheres que busca informações e trabalha em uma lista que já conseguiu reunir as estatísticas de partos de mais de 300 obstetras que atendem a pelo menos seis planos de saúde do Rio de Janeiro - Bradesco, Cassi, Unimed Rio, Amil, Golden Cross e AMS. Esse documento pode ser consultado por qualquer um (clique aqui para a lista de obstetras que atendem no RJ) e, em uma rápida olhada, é possível ver que a maioria absoluta dos médicos que atende aos planos de saúde cariocas faz 100% de cesarianas em suas pacientes. Apenas uma médica, Dra. Juliana Freitas Oliveira Miranda, aparece com um índice de cesáreas abaixo dos 15% - considerado como razoável pela Organização Mundial da Saúde, já que a cesariana é, segundo a OMS, mais arriscada para a mãe e bebê.

"Taxas de 100% de cesárea, ou mesmo 70, 80, 90%, não são justificáveis em nenhum cenário obstétrico. Nem no alto risco, nem em hospitais especializados. Em situação alguma se justifica a manutenção de taxas assim. Muitos profissionais argumentam que as mulheres é que desejam essas cesáreas todas, mas temos estudos nacionais que mostram que, no início do pré-natal, pelo menos 70% delas desejam um parto normal", afirma Takemoto.

Na lista ainda em construção pelas ativistas de São Paulo já há 372 obstetras que atendem pelo menos três planos de saúde: Bradesco, Unimed e Amil. "Esses planos liberaram os dados com maior facilidade. Já a Cassi, Sulamérica e Lincx estão dificultando ou negando o acesso e estamos abrindo reclamação na ANS", afirma Thielly Soengas Manias, 30 anos, estudante de obstetrícia que, junto com outras sete mulheres, estão buscando esses números junto às operadoras de saúde para compor esse banco de dados, que também já pode ser consultado.(Clique aqui para a lista de obstetras que atendem em SP.) Nenhum médico que atende a esses três planos fez menos de 15% de cesarianas, como preconiza a OMS. Por outro lado, 77% deles só fizeram cesarianas pelo plano de saúde e ostentam um índice de 0% de partos normais em 2014.

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A bióloga Gisele Leal organiza uma lista com os índices dos obstetras do interior junto com a publicitária Raquel. Foto: Evellyn Luz

A bióloga e doula Gisele Leal, 38 anos, está montando juntamente com a publicitária e agora também doula Raquel Prado, 34, que apresentamos no início desta reportagem, a lista com as estatísticas de parto normal e cesárea dos médicos que atendem pelo convênio na região de Campinas e Indaiatuba, interior de São Paulo. "Abrir esses dados dá chance às mulheres de escolher um médico que tenha maior experiência com partos normais", explica Gisele, que tem quatro filhos e só conseguiu o parto normal dos dois mais novos depois de muita luta e pesquisa. A lista com os índices dos médicos de Campinas e Indaiatuba está em constante atualização e também pode ser consultada. (Clique aqui para a lista de obstetras que atendem em Campinas, Indaiatuba e região.) 

Quando esses dados começaram a ser divulgados em páginas do Facebook, muitos médicos ameaçaram as ativistas de processo judicial. A obstetriz Ana Cristina Duarte, 50 anos, foi uma delas. Os médicos afirmaram que estavam sendo "execrados publicamente". Consultada pelo Estadão sobre a divulgação desses números, a ANS, Agência Nacional de Saúde Suplementar, pronunciou-se. "Essa informação não é sigilosa, pois não está contemplada no código de ética médica. No capítulo sobre sigilo profissional, nenhum artigo indica que informações relativas às atividades do profissional devem ser sigilosas. O sigilo profissional está atrelado às informações sobre o estado de saúde do paciente", afirmou a agência.

Minas Gerais também está montando seu banco de dados com o índice de cesáreas dos obstetras que atendem aos planos de saúde do estado. A advogada e blogueira Gabriella Sallit, do blog Dadadá, dividiu suas leitoras em equipes e, com a ajuda delas, está montando uma lista que deve ser completada em breve, mas que já pode ser consultada. (Clique aqui para a lista de obstetras que atendem pelo plano em Belo Horizonte e região metropolitana.) Mas a briga não está fácil. "Os planos de saúde começaram a exigir que as mulheres comparecessem pessoalmente às sedes para assinar um termo de sigilo e responsabilidade para requerer os dados", conta. "Fizemos um barulhão e eles voltaram atrás", conta Gabriella. O "barulhão" foi uma enxurrada de denúncias à ANS que reiterou ao Estadão que esses dados não precisam ser solicitados pessoalmente pelo segurado: "As informações sobre as taxas de partos devem estar disponíveis no prazo máximo de 15 dias úteis, contados a partir da data de solicitação. Além disso elas devem ser fornecidas por escrito e em linguagem clara. Para solicitar, a beneficiária pode utilizar qualquer canal de comunicação disponível: telefone, e-mail, correspondência ou presencialmente", afirmou a agência.

Mas essas listas são confiáveis? A enfermeira obstetra Maíra Takemoto afirma que sim, já que o nome de um médico e seus índices só são adicionados à planilha se a colaboradora mostrar o documento enviado pela operadora do plano de saúde. Thielly, Raquel e Gisele afirmam adotar o mesmo procedimento de segurança. É importante lembrar, contudo, que qualquer segurado pode consultar as informações dos médicos que atendem seu convênio e montar sua própria lista. Takemoto afirma ainda que mesmo os médicos que não atendem aos planos de saúde, mas que aceitam reembolso das seguradoras, podem ter seus índices consultados.

"Taxas de 100% de cesárea, ou mesmo 70, 80, 90%, não são justificáveis em nenhum cenário obstétrico", afirma a enfermeira obstetra Maíra Takemoto, que divulgou a lista com os índices dos obstetras do Rio de Janeiro. Foto: Valéria Ribeiro A Febrasgo, Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, afirma que é favor do incentivo ao parto normal no Brasil, mas que a divulgação das taxas individuais de partos realizados por um profissional "pode remeter a uma visão distorcida de cada médico." "A Federação acredita que podem haver casos de obstetras que têm um índice elevado de cesárea em uma determinada operadora e menor numa outra. Existem profissionais especializados em partos de alto risco que podem ter índices maiores de cesárea, mas isso não significa que esse médico não faz parto normal, porque a sua especialização o faz atender gestações de risco que acabam levando a um parto cirúrgico", afirma. Já a ANS acha que as mudanças recentes são positivas. "A divulgação das taxas, junto com outras informações, como o cartão da Gestante e a Carta de Informação à Gestante, dão a beneficiária a segurança necessária para tomar decisões de maneira consciente", afirma a Agência Nacional de Saúde Suplementar.  PS: O SUS também oferece uma pesquisa, mas apenas por instituição, já que os partos na rede pública são feitos por médicos plantonistas. Se quiser mais informações das estatísticas de partos na rede pública, clique aqui. _____________________________________________________________________________ Leia mais: A enfermeira Mariana morreu depois de uma cesárea. Não depois de tentar um parto em casa, afirma Universidade Leia também: "Não me corta!" Mulheres imploram, mas mesmo assim são mutiladas durante o parto normal   
Opinião por Rita Lisauskas

Jornalista, apresentadora e escritora. Autora do livro 'Mãe sem Manual'

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