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A difícil decisão de fazer o teste precoce para o gene do Alzheimer

Se você herda o gene mutante, o Alzheimer vai aparecer por volta dos 50 anos de idade - com certeza absoluta. E seu filho tem uma chance de 50% de sofrer com o mesmo problema

Por Gina Kolata
Atualização:
Existem genes que transformam uma doença temida em uma certeza: não há nenhuma maneira de preveni-la e nenhuma maneira de tratá-la Foto: Pixabay

Marty e Matt Reiswig, dois irmãos de Denver, sabiam que a doença de Alzheimer ocorria em sua família, mas nenhum deles entendia o porquê. Então um primo, Gary Reiswig, que eles mal conheciam, escreveu um livro sobre a família, "The Thousand Mile Stare" ("O Olhar das Mil Milhas", em tradução livre).

Quando os irmãos o leram, perceberam o que estavam enfrentando.

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Na família Reiswig, a doença de Alzheimer não é apenas uma ocorrência aleatória: resulta de um gene mutante passado dos pais para os filhos.

Se você herda o gene mutante, o Alzheimer vai aparecer por volta dos 50 anos de idade - com certeza absoluta. E seu filho tem uma chance de 50% de sofrer com o mesmo problema.

A revelação caiu como um raio. Assim como a seguinte: os irmãos descobriram que existe um exame de sangue que pode revelar se uma pessoa carrega o gene mutante. Eles poderiam decidir se querem saber se são portadores. Ou não.

É um dilema que cada vez mais pessoas estão tendo que encarar à medida que os cientistas descobrem mais mutações genéticas ligadas a doenças. Frequentemente um gene recém-descoberto aumenta o risco, mas não garante que a doença vá se manifestar.

Algumas vezes, saber pode ser útil: se você tem uma mutação genética que torna o câncer de cólon muito mais provável, por exemplo, colonoscopias frequentes podem ajudar os médicos a evitar problemas.

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Mas também existem genes que transformam uma doença temida em uma certeza: não há nenhuma maneira de preveni-la e nenhuma maneira de tratá-la.

Marty Reiswig, de 37 anos, viu seu pai, hoje nos últimos estágios do Alzheimer, lentamente perder sua habilidade de pensar, de se lembrar, de cuidar de si mesmo e de reconhecer sua mulher e filhos.

Reiswig sabe que se carregar o gene, tem talvez um pouco mais de uma década antes que os primeiros sintomas apareçam. Se tiver, seus dois filhos pequenos talvez também tenham.

Ele não tem certeza se quer fazer o exame.

Marty Reiswig, à esquerda, e seu irmão Matt fazem parte de uma família em que um membro tem uma chance de herdar um gene mutado que vai levar à doença de Alzheimer em torno dos 50 anos. Marty, 37, optou por não fazer o teste de sangue que revelaria se ele tem o gene. Matt, 41, fez o teste e não tem o gene Foto: NYT

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"Algumas vezes eu penso: 'Isso é uma tempestade terrível no horizonte que poderia nos devastar completamente, e quero saber se é real ou não'. Outras vezes, digo: 'Se eu descobrir que é real, saberei que vou morrer desse jeito e qual a possível idade da minha morte - essa é uma quantidade de informação quase insuportável a respeito de meu futuro'."

"As pessoas dizem que você poderia pular de paraquedas ou montar um touro. Mas você só pode fazer essas coisas se o tempo e o dinheiro permitem. Você ainda precisa acordar de manhã, ir para o trabalho e pagar suas contas."

Ele está participando de um estudo da Escola de Medicina da Universidade Washington, em Saint Louis, em que os pesquisadores estão acompanhando membros de famílias com o gene para o início precoce da doença. Em um encontro recente, Reiswig se viu em uma sala cheia de pessoas como ele: todas tinham um dos pais com o gene para o Alzheimer.

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Todos corriam o risco de ter o gene mutante.

Reiswig perguntou ao grupo: "Quantos de vocês fizeram o teste?"

Metade levantou a mão.

"Daqueles que fizeram o teste, quantos se arrependem?"

A resposta foi um pesado silêncio.

Então, um homem disse que havia feito o teste e descobrira que tinha o gene.

Sobre o arrependimento, "depende do dia", explicou o sujeito. "Tenho lutado contra problemas de peso e ideias de suicídio, e tive dificuldades no meu casamento desde que descobri. Alguns dias eu realmente me arrependo. É uma carga imensa. Outros dias, fico feliz em saber."

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Reiswig vem pensando no assunto. E decidiu não fazer o teste.

"Para mim, o retorno não vale o investimento", afirma.

Seu irmão Matt, de 41 anos, que mora perto com a mulher e os cinco filhos, se sentiu atormentado com o medo de ter o gene mutante. Toda vez que perdia as chaves ou esquecia um nome, pensava: Alzheimer.

"Já estava vivendo todos os dias, todos os momentos como se o tivesse. Não queria descobrir se tinha. Queria descobrir que não tinha", conta Matt.

E decidiu fazer o teste.

"Para mim, é óbvio. Ficar preocupado com qual é a verdade é muito mais prejudicial, e não muda as conclusões."

Saber a verdade, diz ele, "libera você de fazer suposições erradas".

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Matt Reiswig teve sorte: não tem o gene. Ele chorou quando recebeu a notícia, pensando em todo o tempo e energia que gastou achando que o tinha. E todo o sofrimento emocional

Seu primo Brian Whitney, de 43 anos, não foi tão afortunado.

Seu pai tem o gene e sofre de Alzheimer. Quando tinha 40 anos, Whitney, que mora em Manson, Washington, decidiu fazer o teste, dizendo para si mesmo que precisava saber pelo bem de sua família, especialmente de sua filha de dois anos.

Ela precisaria ver o pai perder a memória quando estivesse com apenas dez anos? Ela iria vê-lo morrer? Ele teria passado o gene para ela?

Se ele carregasse o gene, pensou, iria se oferecer como voluntário para pesquisas; faria qualquer coisa para ajudar os cientistas a entender a doença e tratá-la, se não para o próprio bem, pelo de sua filha.

O teste de Whitney deu positivo. Ele tem o gene. Pensou que estava preparado, mas nada prepara de verdade uma pessoa para esse tipo de notícia.

Nos dias bons, ele quase dá um jeito de esquecer o que está por vir; nos ruins, é só no que consegue pensar. Whitney entrou em um teste clínico: uma enfermeira vem a sua casa todos os meses para injetar nele um medicamento experimental. Isso se tornou uma lembrança mensal do que virá no futuro.

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Os amigos dizem que não entendem por que ele optou por se torturar com a verdade, sem mencionar o medicamento que pode fazer com que as coisas fiquem piores, impossível saber.

"Eu balanço a cabeça e digo: 'Você não tem ideia do que está falando. A única coisa que eu controlo é estar na pesquisa. Viva a minha vida e tenha a história que minha família tem antes de me julgar'."

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