Engenho e arte

Cangaço e fundo do mar inspiram as últimas criações dos designers Fernando e Humberto Campana

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Por Marcelo Lima
Atualização:
A coleção Cangaço, de Fernando,Humberto Campana e seu Espedito Seleiro, apresentada pela Firma Casa Foto: Andres Otero

A Fernando e Humberto Campana, já há algumas décadas os designers brasileiros de maior projeção no cenário internacional, sempre interessou a ideia de transformar. De incorporar a móveis feitos em larga escala, materiais e técnicas alheias ao universo da grande indústria. Assim como dotar peças únicas, de matriz artesanal, de uma qualidade superior de concepção e acabamento. Tomados como faces de uma mesma moeda, artesanato e indústria dividem as atenções dos designers em 2015. E prenunciam tempos de renovação.

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Ampliar o acesso às criações da dupla, segundo eles, se tornou prioridade. “O valor cobrado por alguns de nossos móveis, a maioria deles produzida na Itália, não depende apenas de nós. A linha Estrela, que acabamos de lançar pela A Lot Of, em certa medida, veio cobrir essa lacuna. E isso nos deixa muito felizes”, comenta Humberto, por certo em consonância com muitos consumidores, ansiosos por contar com um autêntico Campana em casa. Composta por uma poltrona, uma cadeira, dois modelos de mesa, sofá e luminária, a coleção tem preços que variam de R$ 1.800 a R$ 13 mil.

Produzida em Indaiatuba (SP), a série Estrela excede em tecnologia ao propor móveis de aço obtidos da junção, por solda robotizada, de placas circulares, recortadas a laser. “Durante o desenvolvimento percebemos que com esse processo poderíamos obter formas curvas, mantendo sempre a mesma espessura. E isso os agradou bastante”, conta Pedro Franco, CEO da A Lot Of, que acaba de apresentar seus móveis, com grande repercussão, durante a última edição do Salão do Móvel de Milão, em abril.

Como muitas das criações dos Campanas, a inspiração veio da natureza. Dessa vez, na forma de colônias formadas pelas bolachas-do-mar (parentes próximos das estrelas-do-mar). Estilizado pelos irmãos, o desenho dos pequenos seres foi multiplicado em peças de diferentes diâmetros que, uma vez soldadas, deram origem a superfícies únicas. “A não repetição faz parte do nosso ideário. Mesmo produzida em série, a atual coleção contempla essa possibilidade”, explica Fernando.

Sem nunca sair do radar da dupla, o desejo de conceber o único foi também o motor propulsor de diversas criações apresentadas na Semana de Design de Milão em 2015 (mais informações na pág. 8). Mas, fundamentalmente, do mais recente trabalho dos designers: a coleção Cangaço, lançada na terça-feira passada, em São Paulo, pela galeria de design Firma Casa, da empresária Sônia Diniz. 

“Nosso primeiro contato com a produção de seu Espedito (mas informações no box) se deu através do projeto ArteSol, uma organização que estimula a produção de cooperativas de artesãos de todo o País. A riqueza de detalhes e cores do trabalho em couro nos impressionou de imediato. Ficamos imaginando como poderíamos criar peças que funcionassem como suporte para a obra dele”, resume Fernando.

Aceita o convite, o desenvolvimento da linha conjunta não durou mais de seis meses. Seu Espedito nos deu plena liberdade de escolher a forma dos objetos sobre os quais ele iria trabalhar. E nós, carta branca para ele escolher os temas. Fizemos questão de preservar os ícones e o colorido singular de suas composições. Ele trata as cores com uma delicadeza genuína”, conta Humberto. 

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Com exceção da estante, revestida no material, como regra geral os móveis desenhados pelos designers são todos “vestidos” por capas de couro elaboradas pelo mestre seleiro, salvo nas áreas onde recortes deixam antever trechos de palha trançada.“Aqui resolvemos confrontar duas culturas distantes: a do cangaço e a europeia”, considera Humberto. “Isso foi totalmente com eles, mas confesso que gostei”, comenta seu Espedito, feliz com o resultado da parceria. “O que mais me agradou foi compartilhar a autoria das peças. Não é um móvel do Seleiro, do Humberto ou do Fernando. É uma criação nossa”.

Composta por cinco peças – cadeira, poltrona, sofá, espelho e estante – produzidas em tiragem limitada, de 25 a 75 unidades, Cangaço será comercializada por preços que começam em R$ 28.800. Valores, por certo, nada convidativos para uma larga faixa de público. Mas bastante adequados para atender a uma clientela que, apesar de reduzida, permanece ávida por criações à altura de tanta exclusividade: o concorrido mercado dos colecionadores internacionais.

"Agora é esperar para ver”, pondera Sônia, que já conta com espaço para a expor a coleção em um dos templos internacionais do colecionismo: a Design Miami, em dezembro. Uma plataforma de lançamento onde o trabalho dos irmãos brasileiros tem tudo para ganhar asas. E conquistar o mundo.

 

"Gosto do couro marrom, mas ele me pede cor" Mestre Espedito Seleiro

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Aos 75 anos, Espedito Velozo de Carvalho, o mestre Espedito Seleiro, gosta tanto de seu trabalho que mantém a rotina puxada que começa às 4h e se estende até as 22h, em sua oficina em Nova Olinda (CE). “Quando a gente ama o que faz, tudo fica leve”, disse no lançamento da coleção Cangaço, na semana passada. E olha que ele começou a costurar peças de couro aos 8 anos, com o pai – é a quarta geração de seleiros. A escolha das cores dos detalhes é peculiar. “Gosto do marrom, mas quando estou fazendo os desenhos o couro me pede a cor, então, vamos ‘conversando’.” Se antes o traje dos vaqueiros dominava a produção, agora predominam as bolsas e sandálias, feitas à mão pela família de mestre Espedito.

Exóticas Criaturas

Em uma Semana de Design de Milão dominada por uma aparente dieta estética, repleta de móveis com linhas depuradas e materiais reduzidos ao essencial, o talento exuberante dos brasileiros Fernando e Humberto Campana mais do que nunca se fez notar.

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Nas dependências do Salão do Móvel, onde os móveis da linha Estrela, da A Lot Of, pareciam flutuar em meio ao cenário submarino idealizado pela dupla. Ou ainda na Euroluce, onde seus lustres multicoloridos, fabricados pela checa Lasvit, remetiam a um dos momentos mais marcantes (e coloridos) da carreira dos designers: a série de móveis Sushi.

Digna de nota, a presença dos irmão foi também marcante na mostras Objetos Nômades da Louis Vuitton, na A arte de Viver, organizada pelo jornal Corriere della Sera, na Fundação Trienal de Milão, e, sobretudo, no jardim encantado imaginado por Ferrucio Laviani para a Intern. Dessa feita, com um frasco de perfume de cerâmica, Veredas, que faz alusão a uma gruta baiana. Como não poderia deixar de ser, marinha.

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