Tempos de diversidade

Universo multicolorido do arquiteto e designer Gaetano Pesce é tema de retrospectiva em Roma

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Por Marcelo Lima
Atualização:
A área externa do museu Maxxi, com poltrona Donna construída em escala de arquitetura Foto: divulgação

Dois aspectos saltam aos olhos ao observarmos a obra do arquiteto, artista e designer italiano Gaetano Pesce. O primeiro deles diz respeito à sua extrema habilidade na manipulação de seus diversos meios de expressão: do desenho à escultura, do design à arquitetura. O outro, evidenciado pelo conjunto de sua obra, apresentado em retrospectiva encerrada no início do mês, no museu Maxxi, em Roma é a sua íntima convivência com o universo das cores.

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"Nasci na Liguria, de mãe vêneta e pai toscano. Pessoalmente, porém, sempre me senti vêneto. Por isso, acredito que em meu trabalho as cores tenham uma importância tão fundamental. Só elas são capazes de transmitir energia, vitalidade. Sem elas, tudo o mais é escuridão”, afirmou ao Casa, por e-mail, de seu ateliê em Nova York.

Seguramente uma das mais completas – e coloridas – exposições jamais apresentadas de sua obra, Tempo da Diversidade, reuniu móveis, protótipos, objetos, desenhos e até, perfumes criados por ele, tendo como cenário o emblemático espaço do Museu Nacional da Arte do Século 21, ou Maxxi, projetado pela arquiteta iraquiana Zaha Hadid.

“Acredito que o fato de o espaço de Zaha Hadid ser mais ‘orgânico’ do que o de outros museus, digamos assim, não chegou a influenciar a leitura da exposição. Conceitualmente, toda a montagem deveria estar em constante movimento e, portanto, não estava atrelada ao espaço em que estava contida”, rebate o arquiteto, desde o início, avesso a qualquer ideia de continuidade com a arquitetura racionalista da iraquiana.

Concebida, por determinação de Pesce, como um labirinto mutante, coube ao pessoal do museu alterar, duas vezes ao dia, a posição dos praticáveis que serviam de apoio às obras, com o claro objetivo de alterar por completo o desenho da montagem. A depender dele, a mostra jamais deveria ser vista da mesma forma.

Foi na área externa do museu, porém, que o ideário estético dos dois arquitetos – impossível de ser ignorado – atingiu ares de confronto. Foi lá que uma gigantesca poltrona Donna foi erguida, conclamando o público a atentar para o sofrimento de que as mulheres são vítimas.

Reproduzindo o móvel mais conhecido de Pesce, a escultura, com cerca de 7 m de altura – propositalmente aberta para que as pessoas penetrassem em seu ventre –, exibia em seu interior vídeos relativos aos ultrajes sofridos pelo sexo feminino em escala global. Interessante enquanto denúncia, mas também por celebrar os 45 anos de aniversário da mítica poltrona.

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“Considero fundamental que a diversidade seja vista por todos como um elemento essencial para criar a vida, para gerar conteúdos novos, para gerar energia. O nosso tempo é o tempo da diversidade. Nele não há mais espaço para a padronização, para a uniformidade. É esse o fio condutor de meu trabalho”, afirmou o arquiteto, por ocasião da inauguração da mostra. 

Além da retrospectiva, que incluiu muitos de seus móveis ícones e criações nunca antes apresentadas, Pesce encomendou à direção do museu a instalação de uma casa climatizada junto à sala de exposições, apenas para colocar em discussão a sua noção particular de tempo.Um ambiente gelado, com temperatura artificialmente rebaixada, a ponto de abrigar um bloco de gelo em formato de coração, apresentado pingando, em pleno processo de descongelamento.

“Nossos relógios nos comunicam que o tempo se repete, que cada dia tem 24 horas e, portanto, ele é sempre o mesmo. Mas, na realidade, o tempo nunca se repete e sempre muda. Cada segundo de nossas vidas é diferente dos outros. Com essa instalação, procurei chamar a atenção para esse dado fundamental. O tempo muda. E é isso que interessa”, conclui.

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