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Brincar é um santo remédio

"É uma delícia pegar o elevador do hospital e ver crianças pedindo para a mãe apertar o 3, que é o andar da brinquedoteca. Quando vão à quimioterapia, pedem para ir fantasiados", conta o superintendente do GRAACC, Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer

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Por Rita Lisauskas
Atualização:

Todos os anos, cerca de três mil crianças e adolescentes são retirados de sua vidinha e rotina para, muitas vezes, passarem temporadas no hospital tratar uma doença que não devia jamais acometer também as crianças: o câncer.

Segundo o INCA, Instituto Nacional do Câncer, as leucemias, os tumores do sistema nervoso central e os linfomas são os tipos mais comuns de cânceres infantis. Ao GRAACC, que tem índices de cura superiores a 70%, sempre são encaminhados os casos mais graves e de alta complexidade.

"É uma delícia pegar o elevador do hospital e ver crianças pedindo para a mãe apertar o 3, que é o andar da brinquedoteca." 

Além de uma equipe de ponta, o hospital conta com uma brinquedoteca que é referência para instituições do Brasil e do exterior e já criou frutos: a Quimioteca e a Reabiliteca, espaços para brincar dentro dos setores de quimioterapia e reabilitação."As crianças não querem mais ir embora", conta o superintendente e oncologista pediátrico do GRAACC, Sérgio Petrilli, que está sempre conversando sobre a importância do brincar no tratamento com as mães e os pais dos pequenos pacientes.

Quimioteca e a Reabiliteca sãoespaços para brincar dentro dos setores de quimioterapia e reabilitação 

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Quando e por que nasceu a ideia de construir uma brinquedoteca para as crianças que passam pelo GRAACC? Desde o início do GRAACC, mesmo antes da construção do hospital, o brincar já fazia parte do dia-a-dia das crianças em tratamento. Sempre entendemos que as crianças precisavam ter essa possibilidade de desenvolvimento no ambiente hospitalar. Com esta experiência percebemos que o brincar deixa o nosso atendimento mais humano, as crianças ficam mais dispostas e alegres, ajudando na adesão ao tratamento. Em 1998, mesmo ano em que foi inaugurado o primeiro prédio do hospital, inauguramos a Brinquedoteca Terapêutica Senninha em parceria com o Instituto Ayrton Senna. O objetivo era ter um espaço para que as crianças e acompanhantes pudessem aguardar o atendimento de forma mais descontraída, com espaço para o desenvolvimento e minimizando a tensão de estar em um hospital. A brinquedoteca já nasceu ocupando meio andar de nosso hospital e por ela passam, em média, 60 crianças por dia.

Há profissionais "ajudando" as crianças ou o brincar é livre? Temos oficinas diárias com profissionais capacitados e voluntárias que nos ajudam com as crianças. Na brinquedoteca a criança escolhe o que fazer. E é o único lugar do hospital que ela pode escolher o que fazer, nos outros lugares escolhem por ela. Esse é um dos motivos da importância de uma brinquedoteca hospitalar. Ter autonomia é muito bom. 

O que o brincar traz para as crianças que estão em tratamento? Ao brincar a criança desenvolve seu raciocínio lógico, suas habilidades, seus pensamentos e sua criatividade. Brincando, ela também comunica e se faz entender. Em um ambiente hospitalar, o brincar é fundamental para preservar a parte saudável da vida dos pacientes e não interromper seu desenvolvimento. A Brinquedoteca Senninha GRAACC foi baseada nos conceitos de Jean Piaget, com 'cantos' que correspondem aos estágios de desenvolvimento da criança. Dentro desses 'cantos' que estimulam as crianças o brincar é livre. Oferecemos um acervo bastante amplo de brinquedos e as crianças e os adolescentes escolhem onde e como brincar. No local, existem também voluntários que são treinados e estão disponíveis para brincar. A brinquedoteca também oferece diversas oficinas terapêuticas que envolvem além dos pacientes, seus acompanhantes.

Os pais também brincam? Qual a importância dessa atividade para os pais de uma criança com câncer? Receber o diagnóstico que seu filho tem câncer é bastante impactante emocionalmente. Toda uma rotina que precisa ser alterada. O tratamento do câncer exige, em alguns períodos, que as crianças e adolescentes compareçam quase que diariamente ao hospital, interferindo na rotina escolar e também nas atividades sociais e de lazer. A brinquedoteca possibilita aos pais um espaço onde possam brincar com seus filhos, resgatando a parte saudável da rotina da criança. O espaço funciona como um agente facilitador no enfrentamento das dificuldades que acompanham esse processo.  Oferecemos aos pais uma variedade de oficinas. Enquanto os filhos brincam eles também podem conversar com outros pais sobre vários assuntos. Ficam felizes das crianças terem muitas atividades para escolher. É uma hora que relaxam a tensão constante que a doença traz. Uma família apoia a outra através das suas experiências no hospital. Quem já está há mais tempo ajuda a família que acabou de chegar e ainda está impactada com a notícia. Acaba funcionando como um grupo de apoio.

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Crianças e pais têm acesso a jogos tradicionais: brincadeira e companheirimso 

Quem ajudou vocês a acrescentar o "brincar" ao tratamento das crianças com câncer? Tivemos a assessoria da oficina lúdica das especialistas Adriana Friedmann, Cecília Aflalo e Raquel Altmann, que foram fundamentais para o nosso modelo. Todos os profissionais da equipe disciplinar participaram por quase dois anos dessas reuniões de capacitação. Também contamos com a participação do Atelier Cenográfico, responsável por criar um espaço aconchegante e mágico. Em 2005, após uma visita à nossa brinquedoteca, a então deputada federal Luiza Erundina escreveu e aprovou uma lei que torna obrigatória a instalação de brinquedotecas nas unidades de saúde do Brasil que tenham atendimento pediátrico com internação.  Anualmente, pessoas e estudiosos nos procuram para conhecer a proposta, estudá-la e também se inspirarem para implantar em outros lugares, não só em hospitais, mas em escolas, creches, em comunidades de baixa renda, ribeirinhas ou indígenas. A maior parte delas representa instituições não governamentais, universidades, empresas, fundações, entre outras organizações. 

A brinquedoteca já trouxe mais frutos?  Baseados na experiência da brinquedoteca também levamos o brincar para a nossa área ambulatorial de quimioterapia e criamos a primeira quimioteca no Brasil, a Quimioteca Fundação Jari. Enquanto os pacientes recebem a medicação, uma ludotecária leva brinquedos nas poltronas, coloca filmes e desenhos e também participa de brincadeiras com as crianças. Dessa forma, o brincar deixou de ficar só na sala de espera e passou a fazer parte da rotina do tratamento quimioterápico. E também inaugurarmos uma área na reabilitação, com ludicidade e com espaço para brincar. É a nossa reabiliteca.

"Obrincar deixou de ficar só na sala de espera e passou a fazer parte da rotina do tratamento quimioterápico." 
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