O caso da melancolia

'É legal entrar nos encantos nublados da melancolia, assistir a um filme triste em preto e branco ou ser arrastado pelo som dos ventos que Truman Capote descrevia como uma harpa de ervas'

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Por Laren Stover
Atualização:
A melancolia é mais... Efêmera Foto: Pixabay

Para onde quer que você olhe nesses dias, depara-se com algo sobre como ser feliz - como demonstrar abundância, desejos e sucesso ou como encontrar sua alegria.

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Uma rápida pesquisa no Google e é possível encontrar remédios instantâneos para a tristeza: a promessa de que é possível encontrar alegria em 10 ou 15 passos. Algumas estratégias prometem a felicidade em até 3 passos.

O que quer que tenha acontecido para que se conheça o encanto da melancolia - o que exige reflexão - um tipo de inebriação mental, como chá? E se todos esses conselhos alegres fizerem apenas com que você se sinta inadequado? E se você nasceu taciturno?

A melancolia, diferentemente da tristeza, não é causada por eventos como perder o emprego, a morte de um bicho de estimação, abortos naturais ou problemas de saúde. Nem vai embora quando você recebe notícias excelentes, como uma grande estrela de cinema dando opinião sobre seu livro de ficção ou ser convidado para uma viagem com todas as despesas pagas para Veneza para ver a Bienal.

A melancolia é mais... Efêmera.

Ela visita você como uma névoa, uma bruma, uma cerração. Geralmente não é convidada. Como algumas pessoas nascem na realeza, na riqueza e no prestígio, outras herdam a inclinação para a tristeza.

Eu conheci a melancolia muito antes de conhecer meu pai biológico, doutor Leon Stover. Ele escreveu "O Manifesto Suicida", suas reflexões melancólicas em tom cinza desbotado, no período em que ficou internado num hospital psiquiátrico em Nova York, depois que minha mãe o deixou. Foi um alívio conhecê-lo quando eu tinha 21 anos e saber que esse sentimento era uma herança artística. É a minha maneira de pensar, é o DNA tendo mais significado do que nossas ligações genealógicas com Frederico II  da Prússia e com o presidente Dwight D. Eisenhower. 

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Em seu "Manifesto", sua explanação a respeito da experiência com a psicoterapia, meu pais escreveu: "eu ofereci a você uma tragédia monumental e uma melancolia gloriosa por suas dores e prazeres insignificantes..."

Em sua loucura bipolar melancólica (sua morte se deu por complicações do diabetes, mas eu não duvido que ele tenha rascunhado alguns apontamentos suicidas), meu pai, também autor de 24 livros publicados, uma vez escreveu para mim: "Eu não sei se você será uma escritora, mas você também tem essa coisa de 'altos e baixos'. Faça uso criativo disso, caso contrário, as pessoas vão pensar que você é apenas uma maluca."

Enquanto minha infância foi cintilada por histórias e fantasias sobre elfos e fadas, apesar do ambiente infeliz, minha adolescência foi uma mistura de tédio e depressão poética negra - com muita movimentação.

Quando entrei na terceira escola do ensino médio sentia-me bastante isolada. Estava determinada a não fazer amigos mas, em vez disso, comunicar-me espiritualmente com as árvores e sentir suas almas. Eu andava sozinha ao longo da linha de trem que ficava atrás de nossa casa e tinha pensamentos mórbidos, além de escrever textos que começavam com "não posso ver o nascimento de outro amanhecer cinzento"...(a melancolia geralmente combina com o melodrama).

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Meu professor de inglês me escolheu para um grupo de estudos e nesse período eu escrevi ensaios existenciais e pintei quadros torturados.

Fiz amizade com um espírito ainda mais etéreo chamado Erica, que usava longas fitas nos cabelos amarradas ao couro cabeludo. Elas não formavam um arco alegre, mas pendiam languidamente como cachos chorosos, como uma forma de embelezar o luto. Ela usava longos vestidos ou calças de veludo cotelê em tons pastel dobradas como se fosse caminhar por um riacho, além de trazer o tempo todo uma estola de raposa nos ombros.

Ela sempre levava consigo um vidro de tinta e escrevia todos os seus exercícios com uma caneta de caligrafia, traduzindo frases do latin como "os ciprestes temidos da morte..."

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Ela lia meus poemas e me instigava a me esgueirar pela janela da sala do grupo de estudos para ir até o Instituto Smithsonian e assistir filmes antigos. Ela não achava que eu era estranha porque adorava morcegos. Ela nunca me disse "sorria" ou "alegre-se". Ela salvou a minha vida. 

A tristeza tem uma reputação ruim. Mas logo eu comecei a sentir que a melancolia - a palavra vem do latin, derivada do gregomelancholia - é um vocábulo com uma coroa de Velho Mundo, com uma beleza efêmera como um anel ao redor da lua. Sabemos disso pela "Ode à Melancolia", de John Keats: "Mas quando a melancólica crise descer, De súbito, dos céus tal uma nuvem de lamentos,.../ Ela habita junto à Beleza - que deve morrer..."

Embora a maior parte dos personagens modernos não tenha tal encanto, a melancolia tem sido celebrada por Tim Burton Foto: Divulgaçãp

Enquanto a depressão é uma doença de verdade, a palavra, usada casualmente, perde todo o charme. Por outro lado, é legal entrar nos encantos nublados da melancolia, assistir a um filme triste em preto e branco ou ser arrastado pelo som dos ventos que Truman Capote descrevia como uma harpa de ervas.

Na era pré-Effexor (um antidepressivo), a melancolia era considerada algo de valor. Por Robert Burton, intelectual do século 16 da Universidade de Oxford (que escreveu três volumes sobre o assunto, com sugestões dietéticas como uma cura botânica), por poetas do século 19 e, finalmente pela luminosa, glamurosa e inquietante Greta Garbo.

Embora a maior parte dos personagens modernos não tenha tal encanto, a melancolia tem sido celebrada por Tim Burton (O Triste Fim do Menino Ostra e Outras Histórias e os filmes de Burton estrelados por Johnny Depp), Batman ("O Calaveiro das Trevas"), Heachcliff em "O Morro dos Ventos Uivantes" e o saudoso e encimesmado vampiro Lestat, de Anne Rice. 

Foi também tranquilizador ver a recente animação Divertida-Mente no qual a Tristeza salva o dia apesar da ousada persistência da arrogante Alegria. 

Mas a mensagens comerciais não costumam ser tão inclusivas. A fragrância mais vendida da Clinique é o doce e vibrante Happy. Com maçã, bergamota e a harmonia do ar fresco, seja lá o que isso for, é descrito como "a fragrância da alegria, a essência de uma manhã ensolarada e feliz".

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Outros perfumes de sucesso em 2015 têm a profundidade doce e doentia do algodão doce: o apelo espalhafatoso de um animal sintético brilhantemente colorido que é usado no carnaval.

Pessoalmente, eu prefiro abrir as janelas para o aromático jardim da melancolia e borrifar em algo que tenha alguma ligação com o tédio, reflexões, melancolia. Tal perfume delicado pode ter o cheiro da chuva de outono ou de um peitoril de janela encharcado pela chuva macerado com rosas murchas, apodrecidas, e lágrimas.

Uma fragrância chuvosa pode auxiliar seu humor. Por exemplo, "En Passant" de Frédérick Malle. Guerlain tem expertise em melancolia. Há a misteriosa criação crepuscular de 1912, L'Heure Bleue (hora azulada). E Jicky, criado no final do século 19, é sensual e cintilante e descrito como charmoso e melancólico com tons de cítrico, lavanda e livros empoeirados. Outro exemplo é Mitsouko, perfume frutado de sândalo feito em 1919.

Nenhum deles é ensolarado, eles nunca riem alto e, na verdade, quase nunca sorriem. Iris Silver Mist, de Serge Lutens (1994) tem sido chamado por avaliadores no Basenotes.net de "tristeza num frasco" e "um desejo melancólico". Precisamos de perfumes que complementem nossos humores ou almas, não apenas nosso vestuário de escritório ou roupas que vestimos num coquetel.

Eu me senti menos sozinha em meus anseios quando vi esta postagem num blog sobre fragrâncias: "Ultimamente, tenho me sentido um pouco para baixo, bem deprimido, para falar a verdade. Vocês poderiam sugerir alguns perfumes que reflitam meu estado de espírito? Eu não quero uma fragrância que me levante, porque esta tristeza é algo com que eu preciso conviver para levar minha vida adiante."

Assim como essa alma deprimida, eu não quero um perfume que me anime. Felicidade, como o sol, é ridiculamente brilhante, uma expectativa que não pode ser cumprida, ou até mesmo almejada.

Se a melancolia surgir, você pode saudá-la, vestir seu descanso, ceder a ela seu melhor sofá ou poltrona para repouso ou mesmo aquela rede estendida entre duas árvores. Deixe-a se estabelecer.

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Você também pode aproveitar esse repouso com uma chaleira de chá verde thunder ao mesmo tempo em que observa as folhas enroladas abrirem sua fúria poética enquanto se banham e você ouve "Daphnis el Chloé", de Ravel, ou Concertino para Piano e Orquestra de Jean Françaix. 

Eu proponho aqui a existência de perfumes, moda, sapatos (nada de tênis de corrida, em nenhuma hipótese), música (Lana Del Rey é a diva da melancolia du jour, masJoni Mitchell e Billie Holiday também funcionam), elixires (nada de álcool, veja o que aconteceu com Edgar Allan Poe) e móveis sejam perfeitamente adequados para entregar-se ou sucumbir aos humores profundamente melancólicos.

Eu quero a luz da Lua. 

Tradução de Priscila Arone

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