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Uso de embriões congelados cria impasse bioético

É aceitável destruir embriões para a pesquisa de células-tronco? Debate entre especialistas revela choque de pressupostos

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Por Redação
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Quando começa a vida humana? Esse foi o tema de um debate realizado quinta-feira na redação do jornal O Estado de S. Paulo e transmitido ao vivo na internet pela TV Estadão. Os especialistas Marco Segre e Maria Garcia (veja perfis ao lado) discutiram a ética da destruição de embriões humanos para uso em pesquisas com células-tronco embrionárias. Assista ao vídeo do debate Eles concordaram que o embrião humano é um organismo vivo. Segre, porém, acredita ser ético interferir nesse estágio da vida, utilizando embriões que estão congelados em clínicas de fertilidade e que, de outra forma, seriam jogados no lixo. Maria Garcia defendeu que a vida começa na concepção e é inviolável desde o primeiro momento. A Lei de Biossegurança, aprovada em 2005, autoriza o uso em pesquisa de embriões produzidos in vitro congelados há mais de três anos, mediante consentimento dos genitores. Mas a liberação está sendo contestada por uma ação no Supremo Tribunal Federal. A seguir, os principais trechos do debate, mediado pelo jornalista Herton Escobar. Esses embriões que estão congelados são seres humanos? Maria Garcia: Eles estão vivos; portam uma qualidade chamada vida, que é exatamente um bem protegido pela nossa Constituição. No momento em que temos um óvulo fertilizado, temos vida. Marco Segre: O embrião congelado é um conjunto de células que, se implantado no útero, poderá se desenvolver (em um ser humano). A ciência descreve fenômenos; ela não tem elementos para dar definições como quando começa a vida, que dizem mais respeito à cultura, à crença e à religião. Então, se você me pergunta quando começa a vida, eu vou te dizer que não sei. Posso dizer a partir de quando eu entendo que deve se respeitar a vida. Mas se o senhor diz que o embrião é vida, isso já não responderia à pergunta? Existe diferença entre vida e vida humana? Segre: O espermatozóide também é vida, o óvulo também. Estou apenas querendo enfatizar que a demarcação do início da vida é uma questão cultural ou religiosa. A ciência não tem essa resposta.É preciso fazer uma diferenciação entre ciência e afetividade; entre observação objetiva (dentro do que é possível na ciência) e o lado afetivo, que é o da crença. Eu acredito em Deus, por exemplo, mas não demonstro isso cientificamente. Maria: Concordo que há uma multiplicidade de opiniões, mas não concordo que a crença entre nisso. Temos que ficar na pura ciência. Então eu desafio um biólogo que me diga se no óvulo fecundado não existem já todas as possibilidades do ser humano, no qual um belo dia vai bater um coração. Todo ser humano começa com o óvulo fecundado, não tem jeito. Quais devem ser os limites da pesquisa com células embrionárias? Em que momento a pesquisa passa a ser antiética? Segre: O que se considera ético ou antiético não pode ser generalizado. Para algumas culturas, determinadas práticas são consideradas éticas, para outras, não. Se você me pergunta se eu acho que esses embriões podem ser utilizados para a retirada de células-tronco, eu diria que sim. Gosto de discutir as questões conceitualmente, mas vou dar um argumento pragmático: é sabido que esses embriões vão acabar sendo descartados. Não podemos perder um material de pesquisa que não vai ser utilizado. Se esses embriões acabam sendo jogados fora, não seria um destino mais honroso que fossem usados para pesquisa? Maria: No Brasil temos um critério que é o de fazer as coisas sob uma política de fato consumado. A questão é não chegar a esse ponto. Veja bem, na própria política do País estamos diante de um fato consumado: a efetivação de mais de 200 mil servidores públicos que não fizeram concurso. Se chegou aí é porque alguém errou no meio do caminho; agora há famílias que dependem disso. Sim, o fato consumado está aí. Mas como resolvê-lo? Maria: Vou dar a mesma idéia que estamos dando para centenas de crianças "depositadas" na Febem. Se permitiu-se que fossem criados tantos embriões para o mesmo casal, que agora não tem mais uso para eles, é preciso que haja responsabilidade das próprias pessoas e do Estado. As pessoas que dão origem a esse processo precisam ser responsáveis; o laboratório que lucra com isso também. Por que não adotamos as crianças internadas na Febem? Eu tenho um filho adotivo, já cumpri com a minha parte. Com tantas opiniões divergentes na sociedade, qual seria uma solução aceitável? Segre: A resposta é não sei. Acho que com o tempo essas questões terão algum tipo de encaminhamento, não sei se soluções. Poderia sugerir meio demagogicamente que se faça um plebiscito para ver o que a população pensa sobre isso com liberdade. Não dá para dizer quem está certo e quem está errado, então o melhor é que a maioria decida. Mas isso se prestaria a tantas pressões e usos políticos que não sei se seria a solução. Eu votaria a favor da utilização das células-tronco e trabalharia também no sentido de diminuir o número de embriões produzidos. Não seria o caso de autorizar as pesquisas, de modo que aqueles que discordam possam se recusar a participar, porém aqueles que concordam possam se beneficiar dela? Maria: Tenho que defender o meu instrumento de trabalho, que é a lei. A norma é um produto da racionalidade humana. Se a lei não é boa, mudemos. Mas enquanto estiver em vigor, temos que obedecê-la.

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