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Donna Karan sai de cena

Por que a saída da estilista do comando da grife que criou há trinta anos pode significar uma grande mudança na indústria da moda

Por Vanessa Friedman
Atualização:
A estilista Donna Karan anunciou que vai deixar a Donna Karan International, marca que fundou Foto: Elizabeth Lippman/The New York Times

A notícia recebida recentemente de que Donna Karan havia deixado a função de diretora criativa da empresa que fundou em 1984 foi chocante, mas não inesperada. Sua relação com o grupo LVMH, que adquiriu a marca em 2001, não parecia fácil. No ano passado, a loja principal na Madison Avenue, em Nova York, fechou. Os proprietários corporativos ainda contrataram novos estilistas para sua segunda linha, a DKNY. Em maio, durante o desfile da estilista na semana de moda, perguntei se ela permaneceria. Donna Karan riu e mudou de assunto.

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Ela acabou saindo, mas o que mais surpreendeu foi o fato de a linha principal ter sido “suspensa” e a informação de que não há planos imediatos para substituí-la. Não há nomes sendo cotados para assumir a direção da grife e, portanto, não haverá uma nova coleção para ser apresentada na próxima fashion week, em setembro. A DKI (Donna Karan International) continuará, como também a DKNY. O nome por trás das siglas, no entanto, desaparecerá por um tempo.

É primeira vez que vejo um estilista deixar uma companhia - por vontade própria ou por pressão - e os donos da marca nem mesmo fingirem que tentarão encontrar um substituto. O espanhol Cristobal Balenciaga, por exemplo, pediu para seu nome morrer com ele, mas seus herdeiros ignoraram o pedido e a grife que leva o seu nome hoje faz sucesso na Fashion Week de Paris - embora com um formato que o seu fundador provavelmente não reconheceria.

As casas de moda rotineiramente têm sucesso sem os visionários que deram seu nome a elas (Dior, Givenchy, Jill Sander, Oscar de la Renta, Calvin Klein, entre outros, estão aí para provar) e, depois de alguns ajustes, encontram um novo caminho. A bem da verdade, o próprio grupo LVMH tornou-se um case de como administrar uma maison sem seu fundador. Ao mesmo tempo em que é possível encarar a eliminação gradativa da principal linha como uma bofetada no rosto de Donna Karan, também podemos avaliar a medida como o reconhecimento de que ninguém poderia realmente ser uma nova Donna Karan. 

Na foto de 1985, a estilista Donna Karan posa em seu escritório em Nova York Foto: Don Hogan Charles/The New York Times

Mais do que muitos outros estilistas, Donna foi fundamental para a companhia que criou e tudo o que ela representa: seu DNA era o DNA da sua marca e suas consumidoras têm um vínculo pessoal com ela. Para as clientes, Donna era sua amiga e compreendia seus sonhos e ambições, seus problemas com a vida no trabalho e com suas pernas. Das sete peças que deram início à sua coleção em 1985 mudaram o guarda-roupa da mulher executiva (Donna Karan revolucionou o vestuário das profissionais nos anos 80, de modo similar ao que Giorgio Armani fez com relação aos homens) às campanhas publicitárias que imaginavam a primeira mulher presidente, a estilista ofereceu soluções que eram as suas próprias, o uniforme que vestiu para ser mãe, esposa ou magnata, filantropa, viúva, avó e namorada. 

Em 1993, Hillary Clinton, uma primeira dama disposta a se distinguir das suas predecessoras imediatas, Barbara Rush e Nancy Reagan, usou um modelo Donna Karan em um jantar na Casa Branca. Mesmo que nos últimos anos a designer tenha diversificado um pouco seu estilo, apresentando uma moda mais conceitual e criativa nas passarelas depois de suas viagens à Índia e a Bali, sua busca por autorrealização e paz também foi compreendida por suas clientes. O mais inteligente, na verdade, não é substituí-la, o que apenas vai deixar muita gente furiosa. E, sim, reformular a marca que ela criou para torná-la algo diferente. 

Conscientemente ou não, Donna Karan sabe disso. Afinal nunca preparou um sucessor. Essa pode ser uma interpretação demasiadamente generosa da situação: um benefício inesperado de uma estratégia corporativa cruel. Mas vale a pena mencioná-la, pois reconhece o que um estilista pode trazer para uma casa. Estamos num período de diminuição do papel do designer em favor da marca, mas quando o designer é a marca, sua contribuição é inegável.

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Por isso, na minha opinião, a notícia sobre Donna Karan foi lida quase como um obituário. Mas Donna não morreu (aos 66 anos é uma iogue e ativista devotada) e espero que ela se reinvente completamente.  O que morreu foi um estilo de roupa que ela criou para as mulheres, de Susan Sarandon a Katie Holmes. Restam as elegias e todos os tuítes lamentando o fim de uma era. É verdade, mas talvez seja também o início de outra, não apenas para Donna Karan, mas para a própria moda. É uma perda, mas é possível extrair uma lição de tudo isto. Apenas temos de aplicá-la. 

Tradução de Terezinha Martino 

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