De bíquini, maiô ou vestido comportado, só deu ela na última temporada de desfiles do São Paulo Fashion Week. Pudera. Aos 25 anos, Gracie Carvalho, paulista de São José dos Campos, é uma modelo atípica, com pele morena e cara de saudável, nem magra nem curvilínea demais. Suas medidas - 1,77 metro de altura, 60 centímetros de cintura, 77 de busto e 89 de quadril - renderam a ela o título de corpo mais bonito da fashion week, segundo os principais editores e revistas de moda do país.
A boa forma é fruto de muita luta. Mesmo: Gracie pratica e leva a sério as aulas de muay thai, o boxe tailandês. “Eu torcia o nariz antes porque todas as minhas amigas faziam e eu achava que era modinha”, diz. “Mas acabei conhecendo a filosofia do esporte e me apaixonei.” Gostou tanto que no final do ano passado tirou férias para ir à na Tailândia se dedicar a treinos mais pesados. Além de ganhar hematomas, definiu o corpo com um intensivo de agachamentos, flexões de braço, chutes e boxe. “Também desenvolvi bastante a espiritualidade e a mente”, afirma. “Isso influenciou minha alimentação. Com um melhor controle da mente, agora resisto numa boa a tentações. Até superei a compulsão por coxinha!” Além da luta, Gracie pratica pilates para ganhar flexibilidade e fortalecer a lombar.
Tanto esforço garantiu à top um contrato cobiçado e duradouro como angel da grife de lingerie Victoria’s Secret, posto que ocupa desde 2010. A conquista lhe trouxe visibilidade. Nos últimos cinco anos, a modelo abocanhou campanhas de grifes renomadas, como Ralph Lauren, DKNY, Gap e Tommy Hilfiger, e se tornou requisitada no setor comercial de moda praia, que constitui maior parte de seus trabalhos atualmente. “Ganhei tantos clientes que preferi priorizá-los e, por isso, deixei de desfilar por um bom tempo”, conta. “Mas senti falta e resolvi voltar com tudo para as temporadas deste ano.”
Boa de briga, de passarela e de papo, a top vive dentro de um avião e mantém um endereço fixo em Nova York. Garante não ter perdido a simplicidade do início da carreira, quase dez anos atrás. “Muitas meninas entraram no mundo da moda e mudaram a cabeça, se deixaram levar pelo material, mas eu tento manter minha essência para não pirar”, diz. “Quando tenho um dia de folga, adoro varrer o quintal, lavar louça e ficar em casa sem ter que me preocupar em estar bonita.”
No dia a dia, ela mantém um estilo casual, sem exageros e excessos. Fã das grifes Alexander Wang e Givenchy, Gracie resume seus looks a poucas e boas peças, a exemplo de jeans, T-shirts e, principalmente, botas. “Não tiro minha “harrow boot”, da Rag & Bone, do pé. Tenho três pares e levo comigo até quando vou à praia”, conta. E quanto à lingerie? “Depois que comecei a trabalhar com isso, virei uma consumidora seletiva. Nada de mostrar a alça do sutiã ou de usar uma cor que contraste com a blusa”, diz. “Adoro o estilo francês, todo rendado e sem bojo. Quanto mais simples, melhor.”
Gracie tem um corpo e tanto, é verdade. Mas em poucos minutos de conversa mostra ser bem mais que isso. Tanto que, quando perguntada sobre sua visão da moda brasileira, a modelo solta o verbo. “Nós nos baseamos além da conta na moda internacional. Isso reflete em algumas contradições. Por que ter um comportamento masculino na passarela quando, na verdade, as brasileiras rebolam? Isso é influência europeia. Adoraria que vendessemos o que temos no nosso país”, diz. Outro problema, para ela, é o casting. “Lá fora, faz todo o sentido que a maioria das modelos sejam brancas, dos olhos claros. Infelizmente, é o biotipo predominante na moda brasileira também. Há pouquíssimas negras desfilando. Melhorou muito desde que comecei, mas ainda temos muito chão pela frente.”