PUBLICIDADE

O desfile de Marc Jacobs fala de ansiedade, nostalgia e casas cor-de-rosa

Em um breve espetáculo de estética, música e encantamento poético, Jacobs capta uma ansiedade opressiva

Por Robin Givhan
Atualização:
"A individualidade de cada uma delas escondia-se sob uma peruca preta - tufos de cabelos sintéticos com um corte cheio de pontas." Foto: Reprodução Facebook Marc Jacobs

A enorme casa rosada, no meio de um espaço coberto de cascalho rosado, estava cercada de arquibancadas revestidas de carpete felpudo cor-de-rosa. O cenário do desfile da primavera de 2015 de Marc Jacobs, construído no interior do vasto edifício Seventh Regiment Armory, sugeria a imagem de uma existência vista através de óculos cor-de-rosa, entretanto, quando as primeiras manequins apareceram não mostraram nada de charmoso, extravagante ou apaziguante em sua aparência. 

PUBLICIDADE

Elas vestiam uniformes militares: calças de trabalho verde oliva e casacos rígidos com amplas dragonas e botões exagerados.

A individualidade de cada uma delas escondia-se sob uma peruca preta - tufos de cabelos sintéticos com um corte cheio de pontas. O desfile transcorreu em ritmo acelerado, uma modelo marchando atrás da outra em saias de inspiração militar e casacos curtos, as costas com corte em forma de capa que lembravam uniformes femininos. A única sugestão de certa fantasia estava nos chinelos inspirados nos calçados ortopédicos do Dr. Scholl, mas cobertos de brilhos, e sapatos modelo boneca em veludo vermelho com plataformas brilhantes.

Casa rosada foi cenário de desfile intenso de Marc Jacobs, em Nova York Foto: AP Photo/ John Minchillo

Jacobs criou uma convincente tensão na passarela, entre o conflito e a domesticidade, a arregimentação e a independência, a dura realidade e uma doce nostalgia. Em vez de usar uma trilha sonora padrão com música popular ou conscientemente retrô, Jacobs e o seu diretor musical criaram um quebra-cabeça auditivo no qual se fundiam música - dominado por violinos altíssimos - e narração. Em vez de transmitir o duelo de tons pelos alto-falantes, cada poltrona era equipada com um par de fones Beats by Dre.

Instantes antes do início do desfile, pediu-se silêncio aos presentes para que mergulhassem totalmente num estranho mundo em que a voz - masculina e inexpressiva, como a gerada por computador - declamava instruções às modelos, lembrando a era pré digital, enquanto uma melodia suave competia com ela para chamar a atenção. A voz diz: “Agora quero que a moça de vestido amplo siga a moça de botas”. E: “Mande sair a moça que está sempre roendo as unhas”.

Ouve-se então o tique-taque de uma máquina de escrever batucando através dos fones.”Alguém está usando uma Olivetti no estúdio”, anuncia a voz.

A trilha sonora prossegue - uma sequência contínua de estranhas observações e exigências. A voz surreal serve de lembrete inquietante de que todos estamos sendo observados, suscitando a pergunta desconfortável: Até que ponto nossas ações são independentes? Acaso alguma entidade voyeurística, onipresente - governo, Facebook, Google - está puxando os nossos cordéis? Dizendo aonde devemos ir e quando?

Publicidade

As manequins que circulavam sem expressar emoção pela casa de telhado pontudo pareciam um pequeno exercito cercando o público de civis.

Estariam protegendo os habitantes imaginários da casa de estranhos perigosos? Ou protegendo os estranhos dos horrores do interior do ambiente? Estas perguntas foram levantadas com urgência há muito tempo por especialistas em política e sociologia. E agora, a sensação de mal-estar e paranoia que tais indagações costumam despertar chegara a uma esfuziante passarela cor-de-rosa durante a semana da moda nesta cidade. A ansiedade aumentava.

O estilista durante ensaio do desfile, testando os fones de ouvido que seriam dados aos convidados Foto: Reprodução Facebook Marc Jacobs

À medida que o desfile, de apenas 15 minutos de duração, foi chegando ao fim, as roupas foram se tornando um pouco menos rígidas e imponentes. Os ornamentos típicos dos trajes militares de antes foram se transformando em motivos abstratos mais suaves em saias balão, em bordados geométricos sobre saias longas. A voz adquiriu um tom saudoso: “Muita coisa andou acontecendo. Podemos mover a casa para um lugar onde não acontece nada? Lá vou ser feliz”.

Jacobs apareceu para receber a aprovação do público. Mesmos entre os aplausos generosos, o momento pareceu curiosamente calmo. Em um breve espetáculo de estética, música, encantamento poético numa simples casa cor-de-rosa, Jacobs capta uma ansiedade opressiva - algo não muito bem definido, mas palpável. Uma sensação que nunca desaparece.

Tradução de Anna Capovilla 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.