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Uma estilista para ser lembrada

Na sua coluna, Jorge Grimberg faz uma reflexão sobre a vida e a moda através de uma jovem estilista que nos deixou antes da hora

Por Jorge Grimberg
Atualização:
A estilista Daphne Carelli Foto: Arquivo pessoal

Ela amava moda. Com 30 anos, Daphne Carelli estava alcançando o pico da sua carreira, assumindo o cargo de gerente de estilo feminino na varejista brasileira Ellus. De segunda a sexta, Daphne estacionava o seu Hyundai Tucson preto blindado em uma das vagas privilegiadas de diretoria do grupo Inbrands, um dos maiores conglomerados de moda do País. Sua rotina era bem intensa. Um sonho entre os que almejam entrar no mercado de moda. Ora estava pesquisando em Nova York, ora estava buscando fornecedores em feiras na China e na Índia. Trabalhava muito. Às vezes mais de dez horas por dia. Sempre com incansável paixão e dedicação. 

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Em Agosto de 2013, Daphne foi diagnosticada com um tipo raro de Melanoma. Foi um choque no seu meio. Daphne não era só talentosa. Era bonita, gostosa, saudável, amiga, noiva, irmã e filha. Foi uma grande comoção, mas ela sempre soube que ficaria boa logo. Ela não queria nem parar de trabalhar. 

Sua família não poupou esforços para descobrir os tratamentos mais avançados do mundo e a estilista tinha disposição para enfrentar os tratamentos de quimioterapia mais intensos. Acompanhávamos na televisão os casos de cura de personalidades, como Ana Maria Braga e Reynaldo Gianecchini, e nos dava ânimo de entender e aceitar que aquela situação era temporária. Ainda mais tratando-se de uma menina jovem, com disposição, dinheiro e saúde. 

Iniciou-se uma jornada pela cura. Tirando os diferentes médicos, fomos no Kabbalah Center, no centro de yoga, na casa do rabino, no centro espírita. Pense em alguém que cura. Ela foi. Daphne levou a mãe e o noivo para o curandeiro mais conhecido do Brasil: João de Deus. E ele a deixou cheia de esperança. Mas ela não melhorava. Pelo contrário. Só piorava. 

Em Dezembro de 2013, seu corpo havia mudado muito. As curvas, que sempre foram características da sua brasilidade, deram lugares a novos desdobramentos estranhos. Um nódulo no pescoço, uma barriga inchada com pernas finas. Antes do natal de 2013, ela estava na loja da Animale, na Rua Oscar Freire, comprando roupas para o ano novo. Ela só queria roupas que pudesse usar após a doença, sem ligar para as novas formas que invadiam o seu corpo perfeito. 

Daphne não era só amante de moda. Ela era grande conhecida de todos os movimentos culturais da cidade e de muita gente importante. Ela estava nas listas mais disputadas e era convidada para todas as festas. Desde os eventos do Fabio e Helô, aos desfiles do SPFW, até as festas do Facundo Guerra. Ela recebia os convites em casa.

Seu estilo era forte como ela. Uma mistura de rock’n’roll sexy, com muito preto, jeans, couro, tachas e botas. Ela não usava sandálias nem no verão. Sempre botas pesadas. Uma marca registrada eram as regatas caneladas brancas justas, com sutiã preto e cinto de metais. 

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Ela queria ir a todos os eventos. Participar, consumir, viver e fazer parte de São Paulo com intensidade. Nunca conheci alguém que amasse tanto São Paulo. Ela amava sair para jantar no Le Jazz e tomar vinho. Tinha muitos sonhos. Estava noiva e ia se casar. 

Mas o maior sonho da Daphne era se tornar uma excelente profissional no ramo da moda. Uma estilista para ser lembrada. Antes da Ellus, Daphne trabalhou na Doc Dog por quase dez anos, no auge da marca. Pela Doc Dog, ela viajou o mundo pelas principais feiras de moda, garimpando as roupas que os paulistanos iriam comprar no Shopping Iguatemi e na Rua Bela Cintra. Com um olhar singular, ela era uma força reconhecida. E tinha um domínio sobre sua identidade que a maioria de nós não tem. 

Quantas pessoas você conhece que amam a vida e são intensas dessa forma? 

Dupla inseparável: Daphne Carelli e Jorge Grimberg em 2 momentos; Ibiza em 2003 e Roma em 2011 Foto: Arquivo Pessoal

Infelizmente, a doença foi mais forte que ela. Depois de apenas 8 meses do diagnóstico, no dia 26 de Março de 2014, ela nos deixou. Perdeu lentamente cada movimento, cada sentido. Não existia mais conforto para ninguém. Muito menos pra ela. 

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Já se passaram mais de oito meses desde que a Daphne nos deixou. Ela era minha melhor amiga. Eu era uma dupla com ela e todo mundo ao nosso redor sabia disso. Nós nascemos no mesmo edifício, na Rua Pará em Higienópolis, com apenas um mês de diferença, e fizemos tudo junto. Sempre. Dos zero aos trinta e um anos de idade, fomos descobrindo e conquistando o mundo juntos. 

Eu tenho muitas saudades, mas prometi a ela que eu iria continuar, mesmo sem entender porque ela se foi e não eu. Eu prometi amar a vida, a moda, amar São Paulo e viver por nós dois. Isso eu tenho feito a duras custas todos os dias. Eu, desde então, perdi meu emprego, viajei para todos os continentes. Fui do Cambodia a Cape Town. Larguei meu apartamento nos Jardins, vendi meu carro, me mudei para o Brooklyn, nos Estados Unidos, e descobri que se eu não curasse o meu coração, eu não estaria bem em lugar nenhum.

Faz um mês, estou de volta em São Paulo e a cidade me recebeu de braços abertos. Sem a Daphne, eu finalmente aprendi a amar minha cidade. É uma dor que pesa, mas que você se acostuma. A Daphne não virou anjo para mim. Ela era intensa, imperativa, rebelde. Um furacão. E assim ela continuará sempre.

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Hoje eu sei que sou abençoado porque tive a força dela por tanto tempo. Trinta anos são uma vida inteira ao lado de alguém. 

Escrevi esse texto porque sei que perder um amigo tão próximo, tão cedo, é uma experiência que poucas pessoas passam e senti vontade de compartilhar a mudança completa que isso gerou em mim. O que ficou é um sentimento de amor à vida. O amor à vida que ela tinha. De entender que sim, tudo acaba e que não somos invencíveis. Somos humanos e nossos sonhos, desejos, amores e angústias tem prazo. 

Cada vento no rosto, cada noite gostosa, um dia de sucesso no trabalho, um elogio honesto. Cada abraço. Tudo deve ser vivido intensamente. E valorizado.Desejo a todos os leitores que estiveram comigo em 2014 - me amando ou me odiando (ou aos que nunca ouviram falar de mim) - que vivam intensamente em 2015. 

Peguem a vida pelo braço e façam as coisas acontecerem. Não reclamem, agradeçam. Não deixem passar as oportunidades. Não façam por mim ou por vocês, mas pela Daphne e por tantos outros que se foram antes da hora com essa sede de viver. A vida muitas vezes pode ser o caos, mas todo dia é uma chance que temos de fazer algo bom pra alguém, desenvolver a nossa comunidade, evoluir, criar algo novo, ou simplesmente amar o próximo. 

Essa é a minha homenagem pra você, Daphne Carelli. Eu estou vivendo. 

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