Uma exposição em Nova York conta a história da lingerie

De corpetes a sutiãs: mostra no Fashion Institute of Technology exibe peças do século 18 até os dias de hoje

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Por Ken Johnson
Atualização:
Lingeries dos anos 1950 no Fashion Institute Museum Foto: Linda Rosier - NY Times

Organizada por Colleen Hill, a curadora adjunta de acessório do Museum at The Fashion Institute of Technology, a mostra “Exposed: A History of Lingerie” apresenta 80 exemplos de roupas íntimas e acessórios europeus e americanos, do século 18 aos dias atuais, todos da coleção permanente do museu.

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Com etiquetas breves e descritivas para cada peça, a mostra tem uma maravilhosa diversidade. Modelados por discretos manequins brancos, estão sutiãs, calcinhas, cintas, corpetes, anáguas, camisolas, roupões, camisas de dormir, pijamas, collants, saiotes e bustiês. 

Entre os exemplos mais antigos, há um trabalho notável de complexidade estrutural e decorativa. Alguns itens mais recentes tendem a uma simplicidade minimalista; outros revivem estilos históricos como bustiês e corpetes para usar, ora como roupa de baixo, ora como roupa normal. Um vestido de noite preto feito por Moschino em 1994, que tem uma saia curta feita com 20 sutiãs de renda preta, vira do avesso num estilo inteligentemente pós-moderno.

A maioria das peças antigas são de autoria desconhecida; muitas datadas dos últimos 100 anos são de estilistas famosos como Rudi Gernreich, Christian Dior e Jean Paul Gaultier. A tendência geral é para o luxo extremo.

O texto de apresentação da mostra assinala que a lingerie geralmente vem em dois tipos diferentes: dura e macia, ou estruturada e não estruturada. No decorrer da progressão cronológica da instalação, podem-se notar vários outros opostos em jogo. A tensão entre o natural e o artificial está por toda parte. No século 18, anquinhas e corpetes embaixo de vestidos elaborados faziam as mulheres parecerem como se estivesse montadas em pequenos carros alegóricos. Em meados do século 20, corpetes eram necessários para permitir que corpos indisciplinados coubessem em roupas de feitio mais econômico. Os sutiãs e calcinhas leves e mínimos, do fim dos anos 60, pressupunham uma espécie de liberdade natural que coincidia com outros desdobramentos libertários da época (o tema da queima de sutiãs não compareceu, porém).

Hoje, estamos acostumados à ideia aparentemente natural de que os sutiãs, que não eram uma parte essencial do guarda-roupa feminino até os anos 1920, devem separar e elevar. Por isso é engraçado considerar um sustentador de busto francês de 1905 que efetivamente unificava os seios para conseguir um perfil, então na moda, que a etiqueta identifica como “monosseio”. 

Uma dialética menos visível, mas particularmente intrigante, acontece entre o masculino e o feminino; as características convencionalmente percebidas como femininas prevalece: coisas como rendado, gracioso, delicado, macio, e assim por diante. Mas algumas peças têm um aspecto distintamente masculino. Pode-se imaginar Hugh Hefner refestelado na Playboy Mansion metido no marcante pijama preto com riscas vermelhas de Regine Brenner, empresa de lingerie de Nova York, de 1939. O collant e bolero de 2014, de Suki Cohen, feitos de nylon elástico e neoprene parece algo que um guerreiro de filme de ficão científica poderia usar. 

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Lingeries criadas em 2013, no Fashion Institute Museum Foto: Linda Rosier - NY Times

Alguns itens do mercado de massa de tempos recentes estão representados. Há o sutiã estofado realçador Wonderbra, por exemplo, que foi lançado em 1961. “As vendas de Wonderbra dispararam no início dos anos 90”, diz a etiqueta, “correspondendo a uma voga de abaixar os decotes”. As notas de texto acrescentam que “um anúncio provocativo de 1994 mostrava a modelo Eva Herzigova, e incluía ao slogan “Alô, rapazes”, que resultou em novas encomendas do Wonderbra pelos varejistas. Há um conjunto de calcinha e sutiã rendados da Victoria`s Secret e uma caixa com três das “Tangas Mais Confortáveis do Mundo” da Hanky Panky. Introduzidas em 1986, elas foram “feitas de renda elástica que permite um ajuste perfeito e elimina marcas da calcinha”.

A história subjacente a tudo isto tem a ver com a mudança das noções coletivas sobre qual deve ser a aparência do corpo feminino ideal. Cheio ou esbelto; voluptuoso ou atlético; opulento ou juvenil: em épocas diferentes, silhuetas diferentes foram preferidas. Junto com esta preocupação com o corpo em si vinham atitudes sobre a conduta e o comportamento femininos. As mulheres deveriam ser recatadas, ornamentais, despreocupadas, de tipo empresarial, agressivas ou mesmo insolentes? A etiqueta para um conjunto de sutiã, tanga e liga com estampa de leopardo de 2008 diz o seguinte sobre seu fabricante, Agent Provocateur, que abriu sua primeira loja em Londres em 1996: “Com a venda de chicotes e tapa-seios junto com sutiãs e calcinhas, a marca ajudou a criar a tendência de lingerie de luxo abertamente erótica que continua até hoje”. 

As razões para estas mudanças de gosto e moralidade são complicadas, se não totalmente misteriosas. É por isso que um pouco mais de teorização cairia bem a esta exposição. Um livro a ser lançado em breve pela Yale University Press com um texto de Hill e fotos de 50 peças da mostra poderá responder a algumas questões que a exposição suscita.

Mas seria valioso também ter uma antologia de ensaios sobre lingerie escritos de diversas perspectivas. O que um freudiano, um marxista, um feminista ou um darwinista diriam? E quanto às influências do cinema e da pornografia, para não mencionar as revistas de moda e a publicidade? Como as tradições europeia e americana se comparam às de outras culturas? Há muito mais nas roupas íntimas femininas do que parece à primeira vista.

(A mostra “Exposed: A History of Lingerie” ficará aberta até 15 de novembro no Museum at the Fashion Institute of Technology, em Nova York) 

Tradução de Celso Paciornik

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